A Autoridade da Concorrência (AdC) anunciou esta quarta-feira mais uma multa milionária ao setor da grande distribuição. A AdC sancionou a Auchan, Lidl, Modelo Continente, Pingo Doce, “juntamente com um fornecedor comum de sumos, néctares e refrigerantes”, e dois responsáveis individuais “por terem participado num esquema de fixação de preços de venda ao consumidor (PVP) dos produtos daquele fornecedor”. Segundo a ficha do processo, o fornecedor é a Sumol+Compal.

A coima ascende a 80 milhões de euros. A maior fatia da multa cabe à Sumol+Compal, condenada a pagar 25,1 milhões de euros. Segue-se o Modelo Continente, com 24 milhões de euros, e o Pingo Doce, com 20,9 milhões de euros. O Lidl foi condenado a uma coima de 5,5 milhões de euros, enquanto a Auchan terá de pagar 4,4 milhões. Os dois responsáveis individuais do fornecedor foram condenados a coimas de 15.200 e 12.500 euros.

A prática em causa, revela a AdC, “determinou que a prática durou mais de catorze anos – entre 2002 e 2017, e visou vários produtos da distribuidora de bebidas e vegetais preparados, tais como sumos e néctares e refrigerantes com e sem gás”.

Na decisão, a AdC “impôs a cessação imediata da prática, uma vez que não se pode excluir que o comportamento investigado ainda esteja em curso”.

Em causa está mais uma prática conhecida como hub-and-spoke, que tem sido o grande foco da AdC, em relação à distribuição, nos últimos dois anos. Aqui, ao contrário do que acontece nos casos de cartel tradicional, as cadeias de distribuição alinham os preços sem comunicar diretamente entre si, não mantendo contactos bilaterais com o fornecedor. O objetivo daquilo que a AdC classifica como “uma conspiração equivalente a um cartel”, é concertar os preços praticados ao consumidor.

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“A prática é altamente prejudicial para os consumidores e afeta a generalidade da população portuguesa, uma vez que os grupos empresariais envolvidos representam grande parte do mercado nacional da grande distribuição alimentar”, sublinha a entidade liderada por Margarida Matos Rosa.

“Tal prática elimina a concorrência, privando os consumidores da opção de melhores preços, assegurando melhores níveis de rentabilidade para toda a cadeia de distribuição, incluindo fornecedor e as cadeias de supermercados”, conclui.

Neste caso em concreto, a Nota de Ilicitude foi adotada em junho de 2020. Desde então, as empresas e pessoas em causa puderam apresentar a sua defesa, “o que foi devidamente considerado na decisão final”.

A acusação resultou de uma operação que teve lugar em 2017, que incluiu buscas e a apreensão de trocas de emails entre os intervenientes.

O valor das multas é determinado pelo volume de negócios das empresas sancionadas nos mercados afetados nos anos da prática. Não pode ultrapassar 10% do volume de negócios da empresa no ano anterior à decisão da sanção. As empresas podem agora recorrer da decisão.

Esta é a quinta investigação da AdC, de um total de dez em curso ao setor da distribuição, que resulta numa multa. A primeira, e maior de todas, foi imposta em dezembro de 2020, no valor de 304 milhões de euros, ao Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché e ao fornecedor Sociedade Central de Cervejas.

Já em novembro do ano passado, a AdC aplicou ainda uma coima de 92,8 milhões de euros ao Continente, Pingo Doce, Intermaché e Auchan, e ainda à Superbock, à ITMP e a duas pessoas singulares pela participação “num esquema de concertação de preços de venda ao público”.

Ainda no mesmo mês, foi conhecida uma multa de 24,69 milhões de euros à Bimbo Donuts, Auchan, Modelo Continente e Pingo Doce.

Já em dezembro de 2021, foi revelada uma multa de 17,2 milhões de euros aos supermercados Auchan, E.Leclerc, Intermarché, Modelo Continente, Pingo Doce e à Sogrape.

No total, a AdC já condenou o setor da distribuição a multas no valor de 518,7 milhões de euros. 

Empresas vão contestar

As empresas visadas pela coima já reagiram à condenação, e preparam-se para enfrentar uma batalha legal. À Lusa, a Sumol+Compal afirma estar “convicta de que as suas práticas comerciais cumprem e sempre cumpriram a legislação em vigor”. A empresa “repudia totalmente a decisão da AdC, que é manifestamente injusta e infundada, e vai recorrer nos termos legais para o Tribunal da Concorrência”.

No mesmo sentido, a Auchan também refere, à Lusa, que “irá recorrer judicialmente da decisão adotada”, refutando “totalmente as práticas que lhe são imputadas pela Autoridade da Concorrência na Decisão Final no âmbito do processo contraordenacional”.

O Pingo Doce considera a multa “injusta e imerecida” e também vai recorrer. “O Pingo Doce confirma ter recebido da Autoridade da Concorrência mais uma decisão de aplicação de coima, no enquadramento das anteriores. Também esta decisão é injusta e imerecida e, por isso, à semelhança das anteriores, será impugnada nos tribunais a fim de ser reposta a verdade dos factos”, referiu fonte dos supermercados da Jerónimo Martins à Lusa.

Já a MC – Modelo Continente classifica a multa como “errada e infundada”, rejeitando “a acusação de envolvimento da sua participada em qualquer acordo ou concertação de preços em prejuízo dos consumidores, bem como a aplicação de qualquer coima, cujo valor é, aliás, inexplicável a todos os títulos”, respondeu à Lusa.

Também o Lidl rejeitou as acusações, referindo à Lusa que irá exercer o “seu direito de defesa em local próprio, convicto que lhe será reconhecida a conformidade da sua conduta de acordo com as regras do mercado”. Garante que “sempre pautou a sua atuação por um escrupuloso cumprimento das melhores práticas de concorrência, trabalhando com total transparência para oferecer a máxima qualidade ao melhor preço aos consumidores”.

(Notícia atualizada às 19h43 com a reação das empresas multadas)