No andar inferior da Livraria Lello mora um novo espaço, destinado a “contar histórias, valorizar os livros e a mostrar outras valias que os livros podem trazer”. É onde se encontra a Sala Gemma, dedicada a livros raros, manuscritos, primeiras edições, livros de luxo e livros-objeto, e que a partir desta quinta-feira abre portas aos visitantes, já também com uma exposição. “É a sala das nossas joias”, explica ao Observador Aurora Pinto, administradora da Livraria Lello. As “joias” são as obras antigas, únicas e raras que fazem parte do espólio detido pela livraria portuense.
Parte da Sala Gemma que é apresentada agora existia no primeiro piso da livraria, mas “tratava-se de um espaço que estava mais limitado”, sobretudo depois da instalação artística que destaca os autores que desde 1901 receberam o prémio Nobel da Literatura e também com a mais recente sala totalmente dedicada a José Saramago, o único Nobel da Literatura em língua portuguesa.
A nova sala está agora localizada num espaço que costumava acolher o armazém da livraria — as marcas das caixas de livros são ainda visíveis no chão da sala — e que chegou também a ser espaço de uma instalação artística sobre “Os Lusíadas”, deixando nas paredes várias palavras e frases relacionadas com a obra. “É um espaço mais intimista, que também ele tem já um conjunto de camadas de histórias e vem acrescentar história a estes livros. Mais do que um espaço dedicado ou preocupado com a venda de livros é um espaço para contar histórias, para valorizar os livros e para mostrar outras valias que os livros nos podem trazer”, explica Aurora Pinto.
O acesso a este novo espaço é mais restrito, sendo feito mediante marcação prévia (limitada a 50 pessoas por dia) e sujeita a confirmação por parte da Livraria Lello, uma vez que os visitantes terão acompanhamento personalizado. Mais do que uma visita rápida, o objetivo é que as obras que estão nesta sala sejam vistas com tempo, longe do movimento mais caótico que por vezes pode ter uma visita àquela que é considerada como uma das livrarias mais bonitas do mundo. “Temos aqui livros que nasceram no século XV e, portanto, este é um espaço com tempo, de tempo e para gastar o nosso tempo com algo diferente e para sairmos daqui mais ricos”, acrescenta a responsável ao Observador.
Livros antigos, raros e únicos. E uma exposição que serve de “alerta”
Uma parede divide a Sala Gemma a meio. Do lado direito estão os livros antigos e raros — os livros “com cicatrizes e histórias” — e os livros de luxo e livros-objeto que fazem parte do espólio da Lello, havendo também uma parte que inclui livros, catálogos e outros registos que contam a história da Lello, nomeadamente cartas de Camilo Castelo Branco e de Eça de Queirós.
Nas estantes os livros estão divididos por temáticas, desde arte a arquitetura, fotografia e moda, e também uma secção só com obras portuguesas, onde estão livros como a primeira edição monumental de “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco.
Entre as obras expostas na Sala Gemma está o exemplar da primeira edição de Moby-Dick; or, The Whale, de Herman Melville, que pertenceu a Jim Morrison e que foi comprado pela Lello em 2019, por mais de 32 mil euros. Há também obras como exemplares assinados das primeiras edições de O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry, um exemplar da primeira edição de Pride and Prejudice, de Jane Austen, e também um exemplar da primeira edição de Harry Potter and The Philosopher’s Stone, assinado por J. K. Rowling.
Já o outro lado da sala está reservado a uma exposição que reúne parte do espólio de “duas icónicas casas de livros, “cuja memória a Livraria Lello não quer deixar morrer”. A primeira é a Coimbra Editora, uma casa livreira centenária que teve especial relevância nas áreas de direito e medicina e que fechou portas em 2020, e a segunda é a Brazenhead Books, a livraria de Michael Seidenberg que é conhecida como “a última livraria pirata de Nova Iorque” e cujo espólio contém não só alguns dos títulos mais emblemáticos, como também obras portuguesas de Saramago e António Lobo Antunes.
“Temos como missão pôr o mundo inteiro a ler. É um pouco arrojada, mas, de facto, a nossa missão fundamental é a valorização do livro. Sobretudo durante a pandemia, quando começaram a fechar editoras e livrarias, ficamos um preocupados e começamos a pensar no que poderíamos fazer para chamar a atenção para esse problema. O que vamos encontrar deste lado da sala é, de algum modo, um berro, um grito, um alerta de que os livros têm que ser valorizados e mantidos. E ligados aos livros estão necessariamente duas profissões que são fundamentais e que convém acautelar: a profissão de editor e a profissão de livreiro”, explica Aurora Pinto.
A vontade é que esta sala continue a crescer e mostre o que é o livro e as histórias que podem nascer com ele: “Trazer os livros para aqui é, de algum modo, manter vivas muitas histórias e memórias, porque isto não vai morrer assim. A ideia é que, futuramente, possamos trazer para aqui outras coisas e ir sempre criando esta sinergia do ponto de vista da preservação de memórias, de acrescentar camadas de histórias aos próprios livros e de mostrar que um livro com cicatrizes — em que falte uma folha ou que já tenha a capa menos bonita — é um livro com mais vida, que traz junto com a sua história outras histórias. E isso é também sustentabilidade: dar oportunidade para contar novas histórias”.