A Bienal de Arquitetura de Veneza, que decorrerá de 20 de maio a 26 de novembro de 2023 naquela cidade italiana, vai ter como título e tema “O laboratório do futuro”, anunciou esta terça-feira a organização.

“As novas tecnologias aparecem e desaparecem continuamente, dando-nos vislumbres não filtrados da vida em partes do globo que provavelmente nunca visitaremos, muito menos compreenderemos”, afirmou Lesley Lokko, curadora da 18.ª Exposição Internacional de Arquitetura, acrescentando que ver perto e longe em simultâneo é uma forma de “dupla consciência”, o conflito interno de todos os grupos subordinados ou colonizados, que descreve a maioria do mundo, não só “lá”, nos chamados países em desenvolvimento, terceiro mundo e mundo árabe, mas também “aqui”, nas metrópoles e países do norte.

“Na Europa, falamos de minorias e diversidade, mas a verdade é que a nossa norma é que as minorias do Ocidente são a diversidade da maioria global. Há um lugar neste planeta onde todas estas questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se ligam: África. A um nível antropológico, todos nós somos africanos. E o que acontece em África acontece a todos nós”, sublinhou a também diretora artística do departamento de arquitetura.

Desta forma, a responsável explica a escolha do título, a vários níveis, desde logo porque considera que “África é o laboratório do futuro”.

O continente africano tem a população mais jovem do mundo – com uma idade média de metade da da Europa e dos Estados Unidos, e uma década mais nova do que a Ásia” — e é o continente de urbanização mais rápida, crescendo a uma taxa de quase 4% por ano, menos vacinado, com apenas 15%, mas com o menor número de mortes e infeções “por uma margem significativa que a comunidade científica ainda não consegue explicar”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A longa e traumática história de migração forçada através do comércio transatlântico de escravos é o fundamento sobre o qual sucessivas lutas pelos direitos civis e uma sociedade mais civil estão hoje a ser travadas em todo o mundo. Em toda a conversa sobre descarbonização, é fácil esquecer que os corpos negros foram as primeiras unidades de trabalho a alimentar a expansão imperial europeia que moldou o mundo moderno. A equidade racial e a justiça climática são duas faces da mesma moeda”, acrescentou.

A visão de uma sociedade moderna, diversa e inclusiva é “sedutora e persuasiva, mas enquanto continuar a ser uma imagem, é uma miragem. É necessário algo mais do que representação, e os arquitetos são historicamente atores-chave na tradução de imagens em realidade”, considerou.

Em segundo lugar, Lesley Lokko defende que a própria Bienal de Veneza é também “uma espécie de laboratório do futuro”, uma época e um espaço onde ocorrem especulações sobre a relevância da disciplina para este mundo e para o vindouro.

“Prevemos a nossa exposição como uma espécie de oficina, um laboratório onde arquitetos e profissionais de um campo alargado de disciplinas criativas extraem exemplos das suas práticas contemporâneas que traçam um caminho para o público – tanto participantes como visitantes – trilhar, imaginando por si próprios o que o futuro pode reservar”.

Roberto Cicutto, presidente da Bienal de Veneza, recordou que “o mundo esteve sempre cheio de mal-entendidos culturais” e citou Umberto Eco, na inauguração da Expo de Milão, em 2015, quando deu vários exemplos em que a arte feita por outros povos era incompreendida e até censurada pela Europa, desde as máscaras Bantu, até às estátuas da Ilha da Páscoa, passando pelas representações de divindades em forma de animal, feitas por outras religiões.

“Acredito que a 18.ª Exposição Internacional de Arquitetura comissariada por Lesley Lokko terá também muito a dizer sobre estes temas. Uma espécie de atualização sete anos após esse evento [inauguração da Expo Milão]. Lesley mostra determinação e coragem em usar duas palavras no seu título que são desgastadas no tempo, mas insubstituíveis — ‘laboratório e futuro’ – para restaurar a importância total do seu significado”, disse Roberto Cicutto.

Na opinião do responsável, a abordagem de Lesley Lokko assemelha-se muito à proposta de um pacto entre os visitantes da Bienal, o mundo da arquitetura e da cultura em geral.

“Esta é uma Exposição que, com base em premissas muito práticas e pontos de vista muito específicos, olhará diretamente nos olhos dos representantes dos países participantes, e de todos aqueles que irão encher o Giardini, o Arsenale e a Cidade de Veneza. Tudo para falar ao mundo, que é a verdadeira razão pela qual um curador assume a responsabilidade de organizar uma Exposição Internacional da Bienal”, sustentou.

A 18.ª Exposição Internacional de Arquitetura, que terá uma pré-abertura a 18 e 19 de maio, incluirá também, como habitualmente, participações nacionais, com cada país a apresentar a sua própria exposição nos Pavilhões dos Giardini e do Arsenale, e no centro histórico de Veneza.

Esta edição incluirá, uma vez mais, uma seleção de eventos paralelos organizados por instituições internacionais, que realizarão as suas próprias exposições e iniciativas em Veneza.