Depois da polémica anunciada no início desta semana, sobre a mala com um milhão de euros dada por um sheik do Qatar, novos documentos divulgados mostram agora como é que o príncipe Carlos terá influenciado a lei do arrendamento britânica, aprovada na década de 90, conseguindo deixar de fora a aldeia de Somerset, no Ducado da Cornualha, que é a propriedade real que pertence ao filho mais velho de Isabel II.

Os documentos divulgados esta terça-feira pelo jornal The Guardian revelam então que, em 1993, o príncipe Carlos conseguiu mexer na reforma da lei de arrendamento — em vigor desde os anos 60 —, pressionando os ministros da altura a criar uma exceção no documento mais tarde aprovado para evitar um confronto direto com a família real. E os ministros cederam para “evitar uma grande crise”.

Príncipe Carlos recebeu pessoalmente mala com um milhão de euros de sheik do Qatar

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Antes de qualquer lei ser alterada ou aprovada, a Rainha e o príncipe Carlos são informados e têm acesso às cópias das propostas — é o que se chama o consentimento da rainha. E o príncipe Carlos terá utilizado este procedimento formal para impedir que a lei que permite aos inquilinos a compra da casa que arrendam deixasse de fora a sua propriedade, cujas casas mantém arrendadas e lhe garantem cerca de 20 milhões de libras por ano. Assim, nenhum arrendatário poderia comprar aquelas casas e o príncipe Carlos continuaria a receber os valores das rendas, que são pagos ao Ducado da Cornualha e, posteriormente, transferidos para o príncipe Carlos.

Os ministros britânicos começaram então a ser pressionados no ano anterior à aprovação da alteração da lei, em 1992. Numa primeira abordagem, o príncipe Carlos lamentou, diretamente ao primeiro-ministro da altura, John Major, a sua “especial preocupação” sobre a proposta de alteração. Depois disso, foi a vez de ser feito um aviso aos ministros, que chegou através de J. E. Roberts, representante do governo: “A dificuldade reside no facto de o príncipe de Gales ter um grande interesse pessoal no desenvolvimento desta aldeia“.

Deixaram claro que, se o Governo deseja prosseguir com este assunto, o príncipe terá de discuti-lo ao mais alto nível”, acrescentou J. E. Roberts.

As pressões feitas pelo príncipe Carlos terão ido mais longe e, sempre através de recados enviados pelo representante governamental, o filho mais velho de Isabel II terá sugerido que os ministros teriam de “decidir se valeria a pena lutar contra este assunto”.

Depois disto, os ministros trocaram algumas ideias — alguns consideravam não existir justificação para que fosse criada uma exceção na lei do arrendamento, mas outros reconheceram que é sempre necessária luz verde da rainha e do seu filho para que a lei fosse discutida e aprovada no parlamento.

“Em última instância, suponho que a vontade dos ministros pode prevalecer sobre a monarquia, mas uma crise constitucional acrescentaria uma imagem de controvérsia à lei, o que seria de evitar”, escreveu J. E. Roberts. Certo é que depois disto, os inquilinos das casas que são propriedade do príncipe Carlos ficaram fora da nova lei de arrendamento, ficando impedidos de comprar as habitações onde vivem. A exceção à lei só foi, no entanto, tornada pública em 2002, durante a promulgação de uma nova lei do arrendamento.