Ponto prévio (e com o devido perdão aos adeptos de Nick Kyrgios): esta final deveria ser a história sobre o 60.º duelo entre Rafael Nadal e Novak Djokovic. O duelo que, em caso de vitória do espanhol, faria o 30-30 em jogos entre ambos e colocaria o esquerdino com uma diferença de três Grand Slams em relação a Roger Federer e ao sérvio naquele que seria uma espécie de match point em relação a quem ficará como o melhor dos melhores. O duelo que, em caso de triunfo do sérvio, manteria a vantagem no confronto direto (também tem com Federer), colocaria um ponto final no jejum de Majors que atravessa desde a última edição de Wimbledon e que o deixaria apenas a mais uma vitória de igualar os 22 de Nadal.

Só a lesão derrota um duro. Nadal tem mesmo de abandonar Wimbledon e já não disputa meia-final com Kyrgios

Não foi. E, pela primeira vez na carreira, Nick Kyrgios chegava a uma final do Grand Slam com passagem direta dos quartos para o jogo decisivo perante a desistência de Rafa Nadal, que ainda fez o impossível no encontro com Taylor Fritz mas acabou por ser forçado a abdicar da luta pelo terceiro Major consecutivo da temporada com uma rotura abdominal de sete milímetros que levou ao abandono. Assim, o australiano que nesta edição de Wimbledon continuou a manifestar os seus excessos com multas por cuspir em direção a um adepto e por abusar da conduta em campo no jogo com Tsitsipas (que saiu à beira de um ataque de nervos) chegou onde poucos pensariam numa espécie de ponto alto na redenção de uma carreira marcada em algumas fases limite pelo abuso no consumo de álcool e drogas até ao equilíbrio dentro do possível.

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O álcool, as drogas e uma redenção sem deixar de ser quem é: Nick Kyrgios faz história em Wimbledon e chega às meias-finais

Pela frente, Novak Djokovic. O mesmo Djokovic que, apesar da derrota na final do último US Open com Daniil Medvedev, entrava no ano de 2022 como grande candidato a todos os Grand Slams e a um lugar ainda maior na história mas que até esta final de Wimbledon viveu de tudo um pouco entre a polémica até à exclusão do Open da Austrália, a ausência nos principais torneios em piso rápido nos EUA, a derrota logo na ronda inicial de Monte Carlo e a final perdida em Belgrado antes de vencer o primeiro torneio do ano em Roma e de cair nos quartos de Roland Garros diante de Nadal. E se já era visível que a relação com parte do público era agora diferente depois de tudo o que se passou, a forma como se despediu do court central a enviar beijinhos para a bancada perante a forma como o público apoiou Cameron Norrie não ajudou.

Novak Djokovic apura-se para a final de Wimbledon pela oitava vez na carreira

Até na antecâmara da final os dois jogadores não deixaram de trocar algumas “bocas”, após estarem a treinar apenas a dez metros de distância um do outro. “Demoraste cinco anos a dizer alguma coisa boa sobre mim”, atirou Djokovic. “Mas defendi-te quando tu mais precisavas”, respondeu Kyrgios. “Isso é verdade, fizeste isso e agradeço-te pela atitude”, admitiu o sérvio. Mais tarde, nas redes sociais, o jogador australiano recuperou essa conversa com uma questão: “Agora somos amigos?”. “Se me estás a convidar para um copo ou para jantar, aceito. O vencedor de amanhã [hoje] paga”, disse o antigo número 1 mundial. “Está combinado então, vamos para a noite e vamos ficar loucos”, prometeu Nick Kyrgios. Se antes eram quase “inimigos públicos”, agora os dois “vilões” já tinham uma relação mas apenas um poderia ganhar nesse duelo. E Djokovic não deixou fugir o favoritismo, ganhando pela sétima vez Wimbledon mas tendo essa “penalização” de não defender os pontos e com isso descer ao sétimo lugar do ranking mundial (estava em terceiro) devido às regras da organização após a proibição de jogadores russos e bielorrussos.

O primeiro set mostrou aquela que foi talvez a versão mais tranquila de Nick Kyrgios em Wimbledon, como se soubesse que este era o momento para deixar de parte todas as excentricidades do costume para se focar apenas no jogo. Foi assim que, depois dos quatro primeiros jogos de serviço ganho por ambos, o jogador australiano fez o break à segunda tentativa ao sérvio, confirmou depois com o 4-2 e fechou o parcial inicial com 6-4, revelando uma panóplia de recursos sobretudo nos seus jogos de serviço que deixavam o favorito (pelo menos na teoria) Novak Djokovic em alerta frente ao estreante em finais do Grand Slam.

Kyrgios não estava propriamente “calado” ao longo das partidas sem quebrar a concentração necessária depois em jogo, como tinha acontecido tantas vezes ao longo de duas semanas de torneio inglês. E pior ficou quando embirrou que havia alguém nas bancadas que não se calava enquanto jogava e que tinha uma conduta de provocação não repreendida pelo árbitro principal, chegando mesmo a ser advertido por linguagem obscena por um juiz francês que tentava ao máximo não ligar a tudo o resto para não estragar a final sendo um pouco mais rigoroso. No entanto, do outro lado Novak Djokovic como que “cheirou” esses momentos para retirar vantagem para si próprio, ganhando pontos nas alturas chave para virar a final.

No segundo set, o sérvio conseguiu fazer um break em branco que colocou o parcial em 3-1 e segurou o 6-3 no nono jogo apesar dos dois pontos de break não concretizados pelo australiano que podia ter igualado as contas e levado a decisão para um desfecho diferente; no terceiro set, e depois de oito jogos ganhos por quem estava a servir, Kyrgios teve uma vantagem de 4-0, perdeu cinco pontos consecutivos entre erros forçados, duplas faltas e bolas a queimar a linha, foi para a cadeira vociferar mais do que nunca contra si próprio falando na direção da sua box onde estavam treinadores, pais e namorada. “É isto, é sempre assim! 40-15! 40-0! Porque é que não páras? Porquê? Porquê? Porquê? Diz alguma coisa!”. Não houve “resposta” das bancadas, houve do outro lado do campo e Djokovic fechou o jogo com 6-4.

Seguia tudo para quarto set, por sinal o primeiro a ter 12 jogos seguidos de serviço sem breaks com Kyrgios a fazer-se valer dos ases nos momentos chave para somar os seus encontros e Djokovic a ter uma exibição mais regular sempre à espreita do período certo para acabar com as contas. Tudo seria resolvido no tie break, com o sérvio a ser de novo mais forte e a ganhar por 7-3 apesar dos 30 ases de Kyrgios. Estava fechada a sétima vitória em oito finais em Wimbledon (tantos como Pete Sampras, a um de Federer), sendo agora muito provável que não possa participar no próximo US Open pelas regras da Covid-19. E esse continua a ser o principal problema para o sérvio, seja no plano desportivo, seja na ligação com parte dos adeptos como se voltou a ver ao longo das últimas duas semanas em que jogou em território britânico.