As comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) do Norte, Centro e Algarve pediram esta quarta-feira a adaptação da carta de perigosidade às realidades locais, com maior intervenção dos autarcas na definição de territórios de risco para prevenção de incêndios.

Os dirigentes das CCDR foram ouvidos no parlamento, a pedido do PSD, sobre a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, um instrumento nacional para planeamento das medidas de prevenção e combate a incêndios rurais e que estabelece condicionamentos às atividades nos espaços rurais, mas que tem merecido contestação de autoridades locais, sobretudo de autarcas, levando à discussão de alterações à lei, publicada em 28 de março de 2022.

“Nada contra, completamente de acordo. Evidentemente que faz todo o sentido a carta de perigosidade, porque é a objetivação das situações concretas do terreno”, salientou a presidente da CCDR Centro, Isabel Damasceno.

Tal como Célia Ramos, vice-presidente da CCDR Norte, a presidente da CCDR Centro considera que houve uma evolução da lei, ao envolver as comissões sub-regionais e comissões regionais e as comunidades intermunicipais. No entanto, considera que a legislação continua a pecar por não prever “um envolvimento direto e muito mais ativo dos agentes locais e regionais”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Parece-me a mim que há um envolvimento deficitário do papel a desempenhar, quer pelas próprias CCDR, quer pelos próprios agentes do território mais próximos. Ninguém tem dúvidas, por muito conhecedores de aplicação concreta dos algoritmos ou das especificações técnicas que vão dar origem à carta de perigosidade, que tem que haver efetivamente uma fundamentação técnica e tem que haver algo técnico e científico para lá chegar. Mas dificilmente haverá alguém que conheça melhor quais são as realidades dos seus territórios do que os autarcas, os municípios e as CCDR”, considerou.

A dirigente da CCDR Centro exemplifica com a zona que mesmo coincidentemente “está a ser fustigadíssima por incêndios” no concelho de Leiria: “Os terrenos dos territórios que estavam a arder estavam excluídos da carta de perigosidade e, quando o município se apercebeu disso, ainda antes dos incêndios, achou que havia ali um erro evidente, que deviam ser territórios incluídos na carta de perigosidade”, disse.

Portanto, quando eu digo que deve haver aqui uma influência, uma intervenção mais direta de quem conhece melhor o território, não se pense, como às vezes erradamente se pensa: ‘eles querem é tirar de lá zonas abrangidas por estas cartas de perigosidade’. É curioso que aquilo que me tem sido chegado pelos municípios é que eles querem, muitas das vezes, integrar mais território, porque conhecem efetivamente a realidade com outro tipo de conhecimento prático do que conhece propriamente quem define teoricamente as cartas de perigosidade”, sublinhou.

Atualmente, uma proposta para promulgação de alterações ao decreto-lei n.º 82 de 2022, que contém a carta, estará para promulgação do Presidente da República, “em que se prevê o adiamento da adaptação das cartas precisamente a esta realidade do território”, adiantou Isabel Damasceno, considerando, contudo, que a nova redação do artigo que prevê as competências das comissões sub-regionais e regionais “ainda não é suficientemente clara” sobre “as competências de a quem compete definir a entrada de novo território ou a correção do território que vai estar incluído nas cartas de perigosidade”.

Célia Ramos assegurou que a CCDR Norte está a trabalhar na carta de perigosidade no sentido de “construir um plano regional de ação e planos regionais de ação que identifiquem os problemas, que identifiquem as medidas que são necessárias para os ultrapassar”, tendo em conta as ameaças que decorrem das alterações climáticas, a circunstância de existir muita floresta não gerida, a transformação do mosaico agroflorestal e as “debilidades económicas e debilidades sociais de algumas destas áreas”.

“Se tivermos duas balanças, quanto mais investirmos na balança da prevenção da melhoria estrutural do solo rústico, menos perigoso será o risco de incêndio e, portanto, menos teremos que alocar aos meios de combate”, disse.

José Pacheco, vice-presidente da CCDR Algarve salientou a importância de adequar a carta de perigosidade com os planos diretores municipais em termos de ordenamento do território, tendo em conta também uma estratégia de desenvolvimento dos municípios.

No caso do Algarve, como sabem, nós temos a região litoral, o barrocal e a serra, e de facto são três regiões completamente distintas, com desafios e oportunidades diferentes e que precisamos de ter outra cautela. Na zona da serra é uma zona que de vez em quando também é muito fustigada por incêndios. Nós tivemos [o incêndio] em Monchique, tivemos o de Tavira em 2012, que foi também terrível, e portanto precisamos aqui de ter um detalhe maior com a carta no sentido de aferirmos precisamente as possibilidades de desenvolvimento da região”, sublinhou.

Entre as críticas à carta, os autarcas consideram que o documento pode contribuir ainda mais para o despovoamento de territórios de baixa densidade por, nomeadamente, condicionar o investimento territorial e afastar potenciais investidores, ao estabelecer que determinados territórios são perigosos do ponto de vista de incêndios rurais.

Alertam ainda que o documento se intromete na esfera de competências municipais, sem que antes estas autarquias fossem ouvidas.

Estes foram argumentos subscritos pelo PSD, que pediu três audições.

O PS, pelo seu lado, reiterou que está disponível para corrigir e aperfeiçoar este instrumento, salientando que a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural foi elaborada segundo critérios internacionais e com o suporte científico de entidades como a Direção-Geral do Território (DGT) e a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF).