Em meados de julho, o Slipt-Rail, restaurante em Chicago, recebeu na mesma semana 16 avaliações de uma estrela na plataforma Google É um dos visados no novo esquema de extorsão que está a afetar vários negócios de restauração nos Estados Unidos e que acontece por via do sistema de críticas online da gigante tecnológica. Depois das avaliações de uma estrela — com resultado potencialmente desastroso para o negócio — chega o email que pede 75 dólares (73 euros) em cartões Google Play.

A ameaça é a mesma para todos os empresários: “Olá. Infelizmente, os comentários negativos sobre o seu estabelecimento foram deixados por nós. E aparecerão no futuro, uma crítica por dia. Pedimos desculpas sinceras pelas nossas ações e não queremos prejudicar os vossos negócios, mas não temos outra escolha”, pode ler-se nos emails, enviados de endereços encriptados. “O facto é que vivemos na Índia e não vemos outra maneira de sobreviver.”

Os espaços visados — negócios mais pequenos, outros maiores — correm o país e vão desde São Francisco a Nova Iorque ou Houston. A chef Beverly Kim, do Parachute, restaurante de Chicago distinguido com uma estrela Michelin, relata a revista Bon Apetit, é uma das empresárias afetadas. As avaliações negativas começaram a chover no início de julho. “A minha reação inicial foi: eles estão a ser racistas? Isto é um restaurante coreano, talvez as pessoas não estejam a perceber.”

As reações dos restaurantes e as respostas da Google

Pouco tardou até que chegasse o email a Kim. Como tantos outros, a empresária reportou a situação à Google, que não agiu com a celeridade necessária, consideraram muitos dos donos de restaurantes. Em alguns casos, a gigante tecnológica considerou que as avaliações falsas não violavam as políticas da empresa. Foi o caso do espaço El Ideias, em Chicago. “É um pesadelo com que temos de lidar”, disse William Talbott, gerente do restaurante. “Ficamos indefesos”, considerou Julianna Yang, gerente da “Sons & Daughters”, em São Francisco.

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A Google, que entretanto já deu resposta adequada a muitas das situações, sugeriu também que os restaurantes respondessem, na caixa de comentários, diretamente ao suposto “cliente”. O restaurante Roux, em Chicago, optou por esse caminho: por baixo da avaliação de uma estrela, colou o texto do email de extorsão recebido. Em resposta a essa tática, relata o restaurante, os criminosos voltaram a entrar em contacto: “Podemos continuar a fazer isto indefinidamente. 75 dólares valem mais do que o vosso negócio?”

Para contornar a situação, alguns espaços, como o Split-Rail (que entretanto já conseguiu eliminar as críticas falsas), estão a fazer apelos nas redes sociais: relatam a situação e pedem aos seguidores que deixem avaliações de cinco estrelas. No entanto, nem os restaurantes têm essa possibilidade — não têm a mesma visibilidade online, com comunidades mais pequenas.

Alguns empresários não viram outra alternativa senão pagar aos criminosos a quantia exigida em cartão Google Play (possivelmente, por ser mais difícil de rastrear), indo contra as recomendações da Google e das autoridades, que apelaram aos negócios que reportassem de imediato a situação aos departamentos de polícia local, bem como ao FBI ou à Comissão Federal de Comércio.

Uma porta-voz da Google já lançou um comunicado a informar que a gigante tecnológica está a par da situação. Está já investigar o caso, tendo começado a remover as críticas negativas falsas dos visados. Indica que, afinal, se está perante uma ação que viola as políticas da empresa. “As nossas políticas dizem claramente que as avaliações devem ser baseadas em experiências reais e, quando encontramos violações destas políticas, tomamos medidas rápidas, desde a remoção de conteúdo, à suspensão da conta e até mesmo ações litigiosas.”

O impacto do sistema de avaliações Google

O sistema de avaliações da Google tem um impacto muito grande nos negócios da restauração, sobretudo se considerarmos que muitos ainda estão a recuperar do efeito da pandemia. Uma avaliação baixa neste sistema, dizem os donos dos restaurantes, faz toda a diferença. Quantas mais, pior.

“Isso faz parte do processo de tomada de decisão, em que as pessoas decidem onde é que querem ir pela primeira vez”, disse ao New York Times Jason Littrell, diretor de marketing da Overthrow Hospitality, em Nova Iorque, que detém vários restaurantes. “As pessoas estão dispostas a ir mais longe e pagar mais de acordo com a avaliação de estrelas mais alta.”

Prasad Vana, professor associado de administração de empresas na universidade de Dartmouth, estuda avaliações online e numa investigação concluiu que as primeiras críticas exibidas numa plataforma têm muito poder no cliente. “Uma estrela versus cinco estrelas tem um grande efeito na probabilidade de compra”, disse, citado pela Bon Apetit.