Os responsáveis do setor do Turismo Rural estão “muito preocupados” com o impacto dos incêndios no negócio e afirmam que está a ser um ano mais difícil que os anteriores, devido ao elevado número de fogos no interior do país — onde se concentra a maioria das propriedades deste setor. Apesar de o verão só ainda ir a meio, os empresários já registam milhares de euros em prejuízos: há turistas a desmarcar estadias “por medo dos incêndios”; outros vão-se embora mais cedo e há mesmo quem tenha cancelado marcações nos dias em que o estado de contingência esteve em vigor, devido às proibições impostas pelo Governo.

Em declarações ao Observador, a presidente da Associação Portuguesa de Turismo em Espaços Rurais e Naturais fala em “receio e incerteza” no setor e avisa: “Não deviam ser só os empresários a estar preocupados. Todos nós nos devíamos preocupar seriamente. E o facto de serem só os empresários mostra que existe uma falta de informação educacional e formal sobre a importância da natureza”.

Sara Duarte Correia afirma que o Turismo Rural é “um negócio com grande força nos territórios com baixa densidade” e alerta que “tudo o que afete a atividade destes empresários vai ter um impacto enorme”. 

Governo não ativa situação de alerta. Previsões apontam para “quadro normal de verão”, explica Patrícia Gaspar

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Ainda não há números oficiais sobre prejuízos ou cancelamentos este verão, mas a presidente da Associação Portuguesa de Turismo em Espaços Rurais e Naturais prevê consequências muito negativas dos incêndios das últimas semanas. E lembra que o verão ainda não acabou.

Nos incêndios de 2017, tivemos uma primeira vaga no início da época e novamente uma segunda em outubro. Temos de bater na madeira e esperar que não haja mais desgraças, mas a verdade é que não sabemos o que vai acontecer”, lamenta Sara Duarte Correia ao Observador.

A presidente da Associação Portuguesa de Turismo em Espaços Rurais e Naturais aponta como principal problema a política de gestão florestal, que descreve como “desastrosa”. “É preciso prevenir. Nós não planeamos, não pensamos o futuro de forma sustentável. Devíamos focar-nos na conservação da natureza e não tanto na gestão florestal do nosso território”, defende Sara Duarte Correia.

Em declarações ao Observador, a responsável afirma que Portugal “está num momento de transição”, devido aos fundos europeus que estão a caminho.

Este é o momento chave para se olhar para a natureza de uma nova maneira. Temos de garantir que estes negócios (Turismo Rural) têm as condições para continuar a trabalhar durante muitos anos. Se não for dada atenção a esta mancha florestal, o que vai acontecer é que estes incêndios vão tornar-se mais frequentes, o risco de ignições vai aumentar e o receio das pessoas também. E, portanto, no mínimo, vamos ter uma atividade turística mais intermitente”, avisa.

Sara Duarte Correia defende assim mais literacia e mais informação sobre a importância e “riqueza” da floresta.

Empresários com prejuízos de milhares de euros temem que passado se repita: “Em 2017, quando o país ardeu, nós ardemos também”

Anabela Costa tem um Turismo Rural em Murça. Mas não a Murça de Vila Real onde em meados de julho começou um dos maiores incêndios deste verão — trata-se da Murça que fica em Foz Côa. A confusão já causou prejuízos à empresária: “Três pessoas que vinham dos Países Baixos cancelaram quando ouviram falar do incêndio em Murça. Mas a nossa Murça não tem nada a ver com a Murça de Vila Real”.

E não foi caso único este verão.

Quando houve o incêndio em Carrazeda de Ansiães, os turistas que cá estavam foram-se embora mais cedo. Disseram que não estavam cá a fazer nada. O ar ficou absolutamente irrespirável. Os turistas têm medo. Veem as cinzas e vão-se embora mais cedo”, descreve a empresária.

O prejuízo económico é elevado. Em declarações ao Observador, Anabela Costa explica ainda que o impacto dura vários anos. “Os incêndios recentes destroem a paisagem. Mas, no ano seguinte, é igualmente mau. Não há pássaros, não há oliveiras-centenárias, não há amendoeiras, não há nada”, lamenta a empresária.

Anabela Costa relata que, este verão, ainda nenhum incêndio lhe chegou às portas. “Felizmente!”, acrescenta. Mas, ao mesmo tempo, avisa que a época dos incêndios ainda vai durar vários meses e, por isso, teme que o passado se repita: “Em 2017, quando o país ardeu todo, nós ardemos também. Ficámos sem uma das casas. Foi fogo posto. Tivemos de retirar todos os clientes”. 

Mudamos de localização no mapa. Um pouco mais a sul, no Fundão, fica o Turismo Rural de outra empresária: Manuela Margalha. Ao Observador, dá conta de prejuízos elevados este verão. Em apenas dois dias, perdeu cerca de 1.000 euros. 

Tive alguns cancelamos quando estivemos em estado de contingência. Tinha pessoas que vinham para duas das minhas casas. Umas vinham para uma concentração de motas que foi cancelada e o outro grupo vinha fazer uma caminhada nos passadiços, mas tiveram de cancelar. Ou seja, não fui afetada diretamente pelos incêndios, mas indiretamente, devido às proibições do estado de contingência”, explica Manuela Margalha.

A empresária afirma que, todos os anos, quando há incêndios, há turistas a cancelar estadias: “As pessoas desistem. A área ardida à volta das aldeias é imensa. O cenário é triste e as pessoas preferem ir para outros sítios”. 

As empresárias ouvidas pelo Observador lembram que a pandemia da Covid-19 fez o Turismo Rural ganhar uma outra dimensão. “As pessoas queriam estar em aldeias, em sítios com mais zonas ao ar livre. Depois dos confinamentos, tivemos uma enorme procura”, explica Manuela Margalha. Mas os incêndios afetam o negócio. Por isso, as empresárias pedem apoios ao Governo.

Pandemia proporcionou aos portugueses a (re)descoberta do país

Governo está “atento aos incêndios” e pondera “a cada momento medidas necessárias para mitigar impacto no setor turístico”

O Observador contactou o Ministério da Economia para perceber se a tutela está a ponderar apoios para os empresários do Turismo Rural, num ano particularmente difícil, com um elevado número de incêndios.

Na resposta, o Ministério remete para a nova versão do Selo Clean & Safe, disponível desde 15 de junho. Trata-se do mecanismo que visa distinguir as empresas que cumpram as recomendações da Direção-Geral da Saúde para evitar a a propagação da Covid-19. A tutela de António Costa Silva explica que este selo funciona agora também como um instrumento de apoio às empresas para a “gestão de crises”. Os incêndios rurais estão incluídos.

O Ministério da Economia explica ainda que, “no caso específico dos incêndios rurais, o Turismo de Portugal associou-se à AGIF – Agência Gestão Incêndios Rurais e à a Autoridade Nacional Emergência e Proteção Civil, para produzir informação técnica necessária: um Plano de Ação Clean & Safe e Guia Técnico de Apoio”. A tutela adianta que, com isto, “pretende-se munir os colaboradores de conhecimento de medidas e boas práticas internas de prevenção e mitigação dos riscos, permitindo reduzir a sua vulnerabilidade face a situações de emergência e promovendo o bem-estar e segurança dos clientes”.

Na respostas enviada ao Observador, lê-se ainda que, no caso específico dos incêndios, “o Turismo de Portugal tem uma equipa de acompanhamento através da qual, em estreita colaboração com as entidades regionais do setor e com diversos organismos da administração central e local, é assegurada de forma imediata e precisa a transmissão de informação essencial aos turistas”.