A ministra da Saúde fez vários telefonemas a diretores de serviço de Obstetrícia e Ginecologia devido às escalas de trabalho dos médicos. O Observador sabe que Marta Temido se mostrou preocupada com as falhas nas escalas — que têm levado ao encerramento de vários serviços — e que sugeriu até cancelar férias a alguns profissionais de saúde para colmatar essa situação.

Um dos diretores de serviço da ARS Lisboa e Vale do Tejo, que prefere o anonimato, conta ao Observador que a ministra da Saúde lhe ligou diretamente a questionar se havia a possibilidade de “melhorar a escala” que tinha sido divulgada. “Exaltada” e “em pânico” por ter percebido a gravidade da situação, Marta Temido procurava junto do responsável uma solução rápida e eficaz para evitar dias de caos naqueles serviços.

O responsável pelo serviço diz que “foi um telefonema desagradável“, garantido que a ministra o “culpou” e responsabilizou pela falta de médicos nas escalas que tinham sido desenhadas, quando o hospital está “numa situação muito difícil” e com “poucos recursos humanos”.

O diretor de serviço admite que a escala estava com enormes falhas, mas que foi sendo melhorada ao longo do tempo. Porém, recusou o cancelamento de férias a profissionais de saúde, até porque em setembro o cenário é “pior”. De acordo com o mesmo responsável, a solução poderia “agravar a situação” a médio prazo e levar os médicos a recusarem horas extras que são fundamentais para as escalas.

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“Com número de médicos que temos, é impossível ter as escalas completas“, explica, frisando que foi exatamente essa a mensagem que transmitiu a Marta Temido, além de um alerta de que o hospital estava “muito perto do limite“.

O responsável explica que há muitos médicos a abandonar o serviço público e que, com os níveis de contingência abaixo das normas, os serviços de urgência são encerrados e os utentes transferidos para outras unidades de saúde.

“A situação é muito difícil e foi feito um enorme esforço nestes três anos difíceis, em que mantivemos o serviço quase sempre aberto”, explica. O especialista acusa ainda a “tutela de não ter feito bem o trabalho de colocar os recursos nos locais onde eram necessários”.

Sindicato recebe mais denúncias

Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), diz ao Observador que o caso não será único. Chegaram ao sindicato “quatro denúncias desse tipo de pressão, no sentido de obrigar os diretores de serviço a cancelar férias ou obrigar os médicos a assinarem escalas abaixo dos mínimos recomendados abaixo da ordem dos médicos”. “Não temos dúvidas que para além destas quatro situações terá havido outras”, sublinha.

“Parece-nos que a ministra da Saúde, em vez de governar e ultrapassar os problemas, pretende usar a maioria absoluta/poder absoluto para obrigar os médicos a desenvolverem atitudes éticas e legalmente muito duvidosas”, acusa Roque da Cunha.

Na quarta-feira, o SIM publicou uma nota intitulada “Assim não vai lá, Sr.ª Doutora”, onde sugeria que a ministra tinha falado diretamente com alguns responsáveis dos serviços, em que dizia que Marta Temido questionou os profissionais de saúde sobre a suspensão de “férias dos médicos em resposta à falta de recursos”.

Contactado pelo Observador, o Ministério da Saúde não respondeu até à publicação deste artigo.

Desde o início do verão que a situação das urgências se tem agravado, com vários serviços de obstetrícia e ginecologia fechados durante vários turnos. Esta quarta-feira, a RTP avançou que o Hospital Garcia de Orta vai perder 10 obstetras até ao final do mês de agosto.

No auge da polémica, António Costa segurou a ministra da Saúde, Marta Temido, dizendo que é dele a “responsabilidade de tudo o que ocorre no Governo”, logo depois de ter assumido que “obviamente” não considera “aceitáveis” as falhas nos serviços de urgência.

Costa segura Temido mas reconhece “falhas inaceitáveis” na Saúde