Estava tudo a postos em Dübendorf, numa pista de testes na Suíça, onde a companhia de seguros AXA pretendia passar aos convidados e jornalistas uma mensagem que prometia chamar a atenção: “os automóveis eléctricos geram 50% mais acidentes e provocam mais danos, a si e aos outros, do que seus concorrentes com motores a combustão”. O que os presentes assistiram foi a um crash-test, no caso uma simulação de acidente, em que um Tesla Model S acabava de rodas para o ar e a arder.

Acidente forjado e veículo manipulado

Sucede que a publicação alemã 24auto.de ficou desconfiada com o que viu no crash-test realizado a 25 de Agosto e colocou algumas questões. As respostas tardaram, mas permitiram-lhe regressar ao tema a 5 de Setembro e com actualizações surpreendentes. Questionada pelos alemães, a AXA viu-se obrigada a admitir, num comunicado, que “lamentamos se transmitimos a impressão errada ou causámos alguns mal-entendidos durante a edição deste ano dos nossos crash-tests”.

Mais do isto, a AXA confessou que “o crash-test não provocou danos no revestimento inferior das baterias, nem no veículo, que tornassem provável a deflagração de qualquer incêndio, como as imagens que divulgámos sugerem”. No processo, a seguradora avançou ainda que o Model S utilizado foi manipulado. O pack de baterias foi retirado, tendo sido instalado um sistema pirotécnico controlado à distância, com a finalidade de provocar o incêndio. Neste ponto em concreto, a AXA reconhece que “o risco de incêndio durante um acidente é muito baixo, tenham os intervenientes motores a gasolina ou eléctricos, uma vez que, estatisticamente, apenas cinco em cada 10.000 casos provocam mortes devido a fogo”.

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As afirmações da AXA não alinham completamente pelas conclusões anteriores da ADAC, o equivalente alemão do ACP, que realiza regularmente crash-tests com todo o tipo de veículos comercializados na Alemanha. Ora, segundo a ADAC, não só “os veículos eléctricos têm habitualmente um desempenho mais eficiente na protecção dos ocupantes do que os seus concorrentes com motor de combustão, devido aos reforços necessários na zona da bateria, como o risco de incêndio não parece ser superior”.

Eléctricos causam mais acidentes?

Outro dos vectores de comunicação da AXA apontava para a maior probabilidade dos veículos eléctricos causarem mais acidentes e com mais danos. Defendeu o responsável pela investigação de acidentes da seguradora, Michael Pfäffli, que o facto de os veículos eléctricos terem muito torque, sobretudo os mais potentes, pode gerar uma aceleração demasiado brusca quando se pressiona o acelerador. Também o facto de serem mais pesados, devido à presença da bateria, levaria os automóveis eléctricos a originarem mais danos nos outros veículos.

Estas afirmações de Pfäffli têm um fundo de verdade, se bem que não permitam chegar às conclusões esgrimidas pela seguradora. Efectivamente, os carros eléctricos mais desportivos são muito rápidos e respondem mais depressa ao acelerador, especialmente se estiverem num programa Sport ou equivalente. Mais importante do que isso – e este argumento passou ao lado do técnico da AXA –, os carros mais rápidos a bateria tornaram modelos com grande capacidade de aceleração acessíveis a muito mais condutores, por serem substancialmente mais baratos. Basta ter presente que um Tesla Model 3 Performance, proposto por cerca de 70 mil euros, atinge os 100 km/h em apenas 3,3 segundos, o que o coloca ao mesmo nível do Lamborghini Huracán ou dos Ferrari Roma e Portofino, todos eles a exigir um investimento próximo dos 300 mil euros. Isto implica que vai haver muitas mais pessoas, potencialmente menos habituadas a modelos extremamente rápidos, obrigadas a ter muito cuidado com a forma como doseiam o acelerador. Mas a realidade é que não há estudos credíveis que atribuam aos donos dos Ferrari e Lamborghini uma maior probabilidade de se envolverem em acidentes.

Outro dos argumentos de Pfäffli é aquele que aponta o peso superior dos veículos eléctricos como a explicação para estes provocarem mais danos nos automóveis em que embatem. Isto é indiscutivelmente verdade, uma vez que num embate frontal entre dois carros com pesos distintos, o mais leve tem de absorver mais energia, deformando-se mais e expondo os seus ocupantes a desacelerações e esforços mais elevados. O que o técnico não menciona é as vantagens que esta situação representa para os proprietários dos veículos a bateria – a mesma que beneficiou e continua a beneficiar os condutores dos Audi A8, BMW Série 7 e Classe S que, sempre que chocam com outros veículos de menores dimensões e peso, “sofrem” menos. Por outras palavras, ficam mais bem protegidos.

Durante a demonstração da AXA, além do crash-test do Model S, a seguradora realizou um embate frontal com overlap parcial a 50 km/h entre dois VW Golf, um eléctrico e outro a gasolina, sendo este cerca de 400 kg mais leve. Apesar de ambos os modelos terem mantido o espaço necessário de sobrevivência para os ocupantes, a deformação foi maior no Golf a combustão, por ser mais leve, o que significa que o esforço aplicado sobre o corpo foi igualmente superior, uma vez que a estrutura de ambos os VW é similar.