Há qualquer coisa de Dr. Jekyll e Mr. Hyde em Novak Djokovic que já se tinha sentido em Wimbledon e que teve prolongamento agora no US Open. Por um lado, parece ter ganho uma segunda vida neste regresso em pleno aos EUA que começou por ser assinalado por uma vitória épica na final do Masters de Cincinnati que ficou como uma das melhores decisões de sempre de um torneio 1.000; por outro, quando começava a sentir que o público não estava do seu lado, lá tinha de levar a mão ao ouvido como que a “provocar” a audiência. Por um lado, teve uma exibição irrepreensível frente a Ben Shelton nas meias-finais que o colocou em mais uma decisão do Grand Slam; por outro, acabou a fazer o gesto que o norte-americano tem quando consegue ganhar a simular um telefonema quase que a meter-se com o público e com a ambição frustrada de ver um compatriota. O sérvio é bom, é mau, é tudo ao mesmo tempo. O sérvio é cada vez mais “o maior”.

Havia algo de diferente na final do US Open com Daniil Medvedev. Logo à cabeça, o facto de não poder fazer uma reedição da decisão com Carlitos Alcaraz em Wimbledon como parecia querer que acontecesse. Depois, por ter o adversário que se apresentou em melhor momento em Nova Iorque – e mostrou isso mesmo não só na meia-final ganha ao espanhol mas também em triunfos anteriores contra Chris O’Connell, Sebastián Báez, Alex de Minaur e o compadre Andrey Rublev, que chegava forte como nunca para perder como quase sempre quando chega ao momento da verdade. Por fim, porque o russo foi o único além de Roger Federer e Rafa Nadal a bater (e quase vulgarizar) Djokovic, também no US Open mas de 2021. Seria isso suficiente?

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No plano teórico, não. Porque Djokovic está como novo aos 36 anos, sofreu apenas um susto com Laslo Djere onde teve de virar de 0-2 para 3-2 e andou a “varrer” adversários em três sets até à final. Porque Djokovic tem ainda aquele espírito jovem de pensar naquilo que outrora falhou para corrigir o passado e continuar a ganhar no presente. Porque Djokovic, sendo o mais experiente de todos os tenistas de alto nível, encarnou em Roger Federer na forma de pensar o calendário todos os anos virado para os Grand Slams para conseguir aumentar a vantagem no número de Majors em relação a Rafa Nadal. No entanto, havia ainda uma barreira até outro feito histórico contra um jogador que parecia ser o “escolhido” mas foi “ultrapassado” por Alcaraz.

“Não estou a pensar em nenhum recorde mas sei que cada partida na minha idade pode ser a última e devo aproveitar ao máximo. Sei que estou perante uma oportunidade histórica mas não penso nisso porque sei o que pode acontecer se o fizer, como vi aqui há uns anos quando podia ganhar os quatro Grand Slams no mesmo ano e chegar aos 21. Não quero que volte a acontecer”, recordou após o triunfo com Ben Shelton sobre a derrota em 2021 no US Open com Medvedev. “Sem querer ser arrogante, não posso dizer que me surpreenda o que estou a fazer porque sei o quanto trabalho dia a dia para estar nesta posição. Acredito muito nas minhas hipóteses e na minha qualidade como tenista. Fisicamente estou bem e a idade é só um número. Não quero nem pensar em deixar o ténis enquanto estiver no topo, não há razões para isso. Penso em retirar-me quando os miúdos começarem a dar-me tareias nos Grand Slams”, acrescentou.

Só o apuramento para a final tinha valido outro recorde ao sérvio, que se tornou o primeiro jogador a ter dez ou mais finais de mais do que um Grand Slam (Open da Austrália e US Open). Agora, podia fazer mais, ao tornar-se o jogador com mais Majors da história igualando os 24 títulos de Margaret Court. Perante um sem número de estrelas entre o seu camarote (Matthew McConaughey) e os restantes lugares VIP (Kylie Jenner, Timothee Chalamet, LaverneCox, Lil Wayne, Justin Timberlake, Leonardo DiCaprio e Jerry Seinfeld, entre muitos outros), o sérvio não vacilou. Mais uma vez, se calhar mais do que nunca nos últimos tempos, teve o condão de controlar o jogo sem que o jogo o controlasse. Com isso, aumentou o seu legado na história.

A história do primeiro set ficou escrita logo nos três jogos iniciais: Djokovic fez o 1-0 apesar de ter cedido dois pontos a Medvedev, fez logo de seguida o break para o 2-0 e fechou o 3-0 no seu serviço mesmo começando com um 0-30. A partida do 4-1 ainda foi às vantagens mas o inevitável seria só uma questão de tempo, com o sérvio a fechar com 6-3. O segundo parcial, esse, teria um contexto diferente: apesar de ter feito os três jogos iniciais de serviço a ganhar em branco, Djokovic não travou a melhoria no serviço e no jogo de fundo de court de Medvedev e salvou break point antes de fazer o 4-4 e o russo responder com um 5-4 em branco. A decisão iria mesmo para tie break depois de Djokovic salvar um set point no 12.º jogo, sendo que nem mesmo com uma desvantagem de 5-4 após um ponto que “mataria” qualquer um deixou de ganhar a decisão por 7-5.

A reação de Djokovic e do público era como uma vitória antecipada mas que estava ainda à distância de mais um set, sendo que Medvedev reagiu da melhor forma ao 1-0 com um jogo em branco a fazer o 1-1. Apesar da aparente vantagem física e da clara desvantagem anímica, o russo queria batalhar até ao fim pelo segundo Grand Slam da carreira e chegou mesmo a responder a um break logo com o contra break que fez o 3-2 mas um novo break do sérvio acabou de vez com a partida para a vitória por 6-3 e o 24.º Grand Slam.