O diretor da Cáritas, organização humanitária da igreja católica alertou esta segunda-feira para as “consequências” da redução do financiamento às organizações que apoiam os afetados pelo conflito armado no norte de Moçambique, quando surgem novas vagas de deslocados.

“Não só a Cáritas está a sentir o impacto desta redução de financiamento, mas o próprio Programa Alimentar Mundial (PAM) já veio a público para alertar sobre a sua situação financeira. É momento de procurarmos criar algumas habilidades entre as famílias necessitadas para que elas comecem a fazer alguns negócios, para permitir que elas consigam alimentar-se com base no esforço próprio”, disse Manuel Nota, em entrevista à Lusa em Pemba, capital provincial de Cabo Delgado.

Só em 2021, a organização católica conseguiu prestar assistência a um total de 120 mil famílias afetadas pelo conflito, mas neste ano a Cáritas conseguiu apenas abranger 45 mil famílias devido à escassez de financiamentos.

Segundo o diretor da organização, desde fevereiro deste ano, as atenções dos doadores internacionais viraram-se para a invasão russa da Ucrânia, mas a crise humanitária em Cabo Delgado prevalece, num momento em que ataques armados de rebeldes a novos locais têm provocado novas vagas de deslocados.

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“Nós começamos a sentir com muita força a redução dos financiamentos desde a invasão russa da Ucrânia. Tínhamos um projeto já garantido para a construção de infraestruturas públicas para as populações afetadas, mas o doador disse que não podia mais financiar porque o fundo deveria ser canalizado a outros irmãos que também estão agora necessitados”, acrescentou Manuel Nota, frisando que as limitações orçamentais surgem num momento em que há registo de novas vagas de deslocados.

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“Recentemente tivemos a informação que a população de algumas aldeias de Namuno teve de fugir para a sede do distrito devido a novos ataques […] Como Cáritas, tivemos de fazer alguma intervenção porque os armazéns do Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD) e do PAM não tinham nada. Tivemos de enviar seis toneladas de arroz e isso não foi suficiente, mas era o que tínhamos”, explicou.

A escassez de fundos para as organizações humanitárias que apoiam deslocados em Cabo Delgado tem sido uma queixa recorrente nos últimos meses, com o PAM, que está entre as agências que se destacam na assistência humanitária no norte de Moçambique, a alertar para a possibilidade de interromper em fevereiro as suas atividades em Cabo Delgado por falta de fundos.

De acordo com o PAM em Moçambique, a agência precisa de 51 milhões de dólares (cerca de 49,5 milhões de euros) para continuar a prestar a “assistência vital” às cerca de um milhão de pessoas afetadas pelo conflito.

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A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada promovida por rebeldes, com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

A insurgência levou a uma resposta militar desde há um ano com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e na vizinha província de Nampula.

Em cinco anos, o conflito já fez um milhão de deslocados, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.