Siga aqui o nosso liveblog da guerra na Ucrânia
Um ex-oficial do exército russo admitiu que as tropas invasoras estão a torturar prisioneiros de guerra ucranianos. Em entrevista à BBC e ao jornal The Guardian o tenente Konstantin Yefremov, que ao longo de dez anos serviu no Exército russo, disse ter testemunhado a brutalidade dos militares durante os meses de ocupação no sul da Ucrânia.
No início de fevereiro do ano passado Yefremov e a sua unidade de desminagem, que habitualmente operava na Chechénia, foram transferidos para a península ucraniana da Crimeia – anexada pela Rússia em 2014 – para participar em “exercícios militares”. Numa questão de semanas as tropas russas iriam invadir o território ucraniano, mas por aqueles dias ninguém acreditava na possibilidade de se desencadear uma guerra. “Na altura ninguém achava que haveria um conflito. Todos pensavam que era apenas um treino. Creio que nem mesmo os oficiais seniores sabiam“, revelou em entrevista à BBC.
Dias depois a guerra estalava e Yefremov e a sua unidade recebiam ordens para seguir para a região ucraniana de Zaporíjia, onde permaneceu durante três meses. “Eu vi pessoalmente as nossas tropas a torturar soldados ucranianos. Sinto alívio por poder finalmente falar sobre o que vi”, admitiu ainda ao jornal The Guardian.
Yefremov recordou como os seus superiores interrogaram e torturam três militares ucranianos na localidade de Bilmak durante vários dias. “Eles foram espancados durante uma semana inteira. Todos os dias, às vezes mesmo durante a noite”. Segundo Yefremov, os seus comandantes foram particularmente agressivos e “perderam a cabeça” ao descobrir que um dos homens era um sniper, tendo ameaçado violá-lo. “Disseram que iam gravar tudo e enviar o vídeo para a namorada dele”, denunciou.
Este foi apenas um de vários casos de violência que diz ter testemunhado. Numa outra ocasião viu um oficial russo assassinar a sangue frio um militar ucraniano que estava vendado. “O coronel apontou uma arma à cabeça do prisioneiro e disse ‘vou contar até três e disparar’. Ele contou e depois disparou”.
Os interrogatórios, a tortura continuaram durante cerca de uma semana. Todos os dias, à noite, às vezes duas vezes por dia.”
Quando percebeu que ia ser enviado para a guerra Yefremov disse ter tentado fugir da Ucrânia. Terá chegado mesmo a abandonar a unidade numa tentativa de regressar à Chechénia, mas acabou por regressar depois dos seus superiores o ameaçarem com uma pena de prisão de dez anos por desertar. “Foi um erro. Devia ter feito um esforço maior para fugir”, admitiu.
Só a 23 de maio de 2022 é que conseguiu partir para a Rússia, ficando marcado como um “traidor”. Passou meses sem conseguir arranjar trabalho até que, com receio de vir a ser convocado na mobilização parcial russa, conseguiu fugir para o México com a ajuda do grupo de direitos humanos Gulagu.net. Meses depois assume-se culpado pelo seu contributo na invasão, garantindo no entanto que nunca feriu ou matou ninguém. “Peço perdão a todo o povo ucraniano por ter entrado nas suas casas com uma arma. Devia ter escolhido a prisão em vez de ir para a Ucrânia, mas naquele momento fui um cobarde“.
A organização Gulagu.net tem ajudado desde o início da guerra vários soldados a escapar da Rússia. Até agora, além da história de Yefremov já foram tornados públicos os relatos de três russos com histórias semelhantes: Pavel Filatyev, pertencente a uma unidade de paraquedistas; Nikita Chibrin, da 64.ª brigada do exército russo, acusada de crimes de guerra; e Andrei Medvedev, um ex-comandante do grupo Wagner. Os quatro já se mostraram dispostos a colaborar com as autoridades ocidentais e denunciar os crimes russos na Ucrânia.