Isobel Boyt, “Ib” para a família, aparece de vestido solto e pés descalços, a ler “Em Busca do Tempo Perdido” de Marcel Proust. Atrás tem uma cómoda de carvalho onde o pai e autor do quadro, Lucian Freud, guardava cartas, telegramas e fotografias, desde os anos 40. Mas, na pintura, Isobel não está só num momento de leitura — as mais de 70 vezes em que se sentou naquela poltrona para ser retratada foram um pretexto para passar tempo com o pai, que morreu em 2011. O quadro vai a leilão na próxima semana e pode atingir os 20 milhões de libras (cerca de 22 milhões de euros).
“Foi tempo ininterrupto com ele. O que ele realmente queria fazer era pintar e foi o que ele fez. Sentar-me foi um meio para conseguir passar tempo com ele, para me ligar a ele, desenvolver uma relação com ele”, disse Isobel Boyt, citada pelo The Guardian.
A pintura — intitulada “Ib Reading” (“Ib a ler”) — estava numa coleção privada e não era vista em público há mais de 20 anos. A última vez em que esteve exposta foi em 2000, em Nova Iorque. Nunca esteve disponível ao público no Reino Unido, mas até ao leilão, que se realizará no próximo dia 1 de março, ficará em exibição na Sotheby’s de Londres.
Para o resultado final, Isobel teve de posar mais de 70 vezes no estúdio do pai, em Holland Park, Londres, em 1997. Foram quase três vezes por quinzena durante mais de um ano. “Foi o mínimo para ele e o máximo que eu consegui”, diz Boyt.
Lucian Freud não exigia nenhuma pose específica aos retratados, conta a filha. “O meu pai dava sugestões frequentemente, mas nunca disse ‘Quero que uses isto e te sentes aí’. Fazia com que tudo parecesse fácil e a escolha era sempre nossa. (…) Ele queria pintar as pessoas como eram, não queria moldá-las nem persuadi-las a fazer uma coisa ou outra”, refere Isobel, que foi cinco vezes retratada pelo pai, uma delas com apenas sete anos. O último retrato é o que agora vai a leilão e nele Isobel teria à volta dos 30 anos.
Pai e filha tinham conversas “interessantes e animadas” sobre o “amor obsessivo” e o “ciúme tortuoso” de Proust. “Não desejei ser retratada a ler, desejei ler. Era algo que normalmente não tinha tempo de fazer com três crianças pequenas. Era uma oportunidade”, explica ainda.