Cerca de 900 utentes que recorreram a centros de saúde saíram da consulta com uma “prescrição social”, como Isabel, que andava ansiosa e, em vez de medicamentos, recebeu uma receita para frequentar a universidade sénior.

Utente da Unidade de Saúde Familiar (USF) da Baixa, em Lisboa, onde o projeto Prescrição Social arrancou em setembro de 2018, Isabel Patrício, 75 anos, foi encaminhada há um ano pelo médico de família para uma consulta com a assistente social da unidade de saúde por viver muito ansiosa e sentir que estava a perder a força por cuidar do filho dependente.

A propósito do Dia Internacional da Prescrição Social, que se assinala esta quinta-feira, Isabel contou à agência Lusa que, numa das consultas em que foi acompanhada com o filho Pedro, de 42 anos, o médico Cristiano Figueiredo, um dos impulsionadores do projeto, lhe perguntou se não gostaria de ter uma ocupação para sair mais de casa.

Ainda argumentou que saía, que não era “um pássaro de gaiola”, mas acabou por aceitar e passou a frequentar a Universidade Sénior na Rua da Prata, juntamente com o filho, que “adora as aulas de História”.

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“Também visitamos museus, bibliotecas e temos um dia por semana dedicado ao bem-estar, que é um psicólogo a falar connosco”, disse Isabel, confessando que o que gosta mesmo é das aulas de ginástica.

A prescrição social começou na USF da Baixa e hoje já existe nas USF Almirante, Sétima Colina, Penha de França, Mónicas e Ribeira Nova, em Lisboa, no Agrupamento de Centros de Saúde de Braga e está a dar os primeiros passos noutras autarquias como em Vila Pouca de Aguiar.

A Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) juntou-se ao projeto e, desde 2019, tem projetos no terreno, liderados pela investigadora e diretora da instituição, Sónia Dias.

Em declarações à Lusa, a investigadora explicou que “a prescrição social parte da ideia de que pessoas com maior fragilidade social“, nomeadamente em isolamento, com carências de recursos sociais e económicos ou com hábitos de vida menos saudáveis, “vão mais cedo ou mais tarde apresentar vulnerabilidades em saúde e ter mais risco de doença e menor esperança de vida”.

Com base nestas ideias, e tendo em conta que a Covid-19 veio agravar a questão das desigualdades sociais, do isolamento e dos problemas da saúde mental, a prescrição social surge como uma intervenção de integração de cuidados, envolvendo de “uma forma inovadora” os setores da saúde e social.

“Quando o profissional de saúde percebe que há necessidades sociais e emocionais ou até práticas do dia-a-dia que estão a afetar a saúde e o bem-estar daquele utente” pode referenciá-lo para a prescrição social, uma consulta em que o assistente social e o utente criam um plano de intervenção personalizado com respostas na comunidade que podem contribuir para a sua saúde e bem-estar, disse Sónia Dias.

Desde o início do projeto já foram referenciados cerca de 900 utentes de todas as idades e mais de 20 nacionalidades, a maioria mulheres, sendo os motivos de referenciação o isolamento social, acesso a benefícios sociais, exercício físico ligado ao sedentarismo e obesidade e a integração social de imigrantes.

“Um ponto muitíssimo prioritário nestas referenciações tem a ver com o bem-estar e com a própria saúde mental”, vincou Sónia Dias.

Desde a primeira hora no projeto, Andreia Coelho, assistente social na USF da Baixa, explicou que os utentes também podem por iniciativa própria recorrer à prescrição social, cujas respostas têm vindo a crescer na comunidade e envolvem atividades como passeios de bicicleta, voluntariado, idas ao teatro.

Andreia Coelho contou o caso de uma nepalesa, com cerca de 40 anos, que foi reencaminhada pela médica porque tinha muitas dores e precisava de fazer de exercício físico, mas não tinha qualquer rendimento.

A solução foi encontrada em articulação com uma piscina municipal, que lhe proporcionou aulas de hidroginástica três vezes por semana. As dores melhoraram e a senhora “está mais animada, menos deprimida”.

Segundo Sónia Dias, a prescrição social também contribui para “a sustentabilidade do sistema de saúde”, ao reduzir o número de consultas, de episódios de urgência e de prescrição de medicamentos.

Contribui também para “comunidades mais solidárias e até resilientes face aos desafios societais” que se têm verificado.

A ENSP está a trabalhar no terreno com algumas autarquias na implementação deste projeto, que “pode contribuir para resolver os principais desafios de saúde atuais”, nomeadamente o envelhecimento da população, a elevada prevalência de doenças crónicas e “as próprias desigualdades em saúde”.

A Câmara de Vila Pouca de Aguiar arrancou com o projeto em janeiro com o objetivo de melhorar a acessibilidade e a qualidade de vida da população, disse a vereadora e médica de família Manuela Castanheira.

“Temos 14 freguesias e muitas pequenas aldeias como uma população muito envelhecida que são um desafio no que diz respeito à acessibilidade aos cuidados de saúde, porque não temos transportes a toda a hora, não temos pessoas jovens que possam ser cuidadores e, portanto, desenvolvemos uma data de iniciativas para a comunidade”, contou.

“Mas no fundo o que nós pretendemos com o projeto de prescrição social é otimizar a rede e integrar efetivamente os cuidados entre todos os parceiros”, fazendo um diagnóstico da situação para poder desenvolver respostas adaptadas às necessidades das pessoas, rematou a médica.