Quem a toma diz passar por experiências alucinogénicas profundas, que vão desde o contacto com seres superiores, realidades paralelas e até contactos com a morte. Agora, um estudo científico norte-americano descobriu novas informações sobre a forma como a DMT (dimetiltriptamina), a substância psicadélica encontrada na bebida sul-americana ayahuasca — associada a rituais tribais — afeta a atividade cerebral.

As conclusões do estudo, publicado no jornal científico Proceedings of the National Academy of Sciences, são esclarecedoras, e revelam que a droga atua sobretudo nas áreas mais evoluídas do cérebro, responsáveis por processos de desenvolvimento da linguagem, memória, tomada de decisões complexas e imaginação — em suma, onde os seres humanos constroem e interpretam a realidade.

Uma vez sob influência de DMT, as regiões do cérebro responsáveis por estes processos tornam-se hiperligadas, com a estrutura hierárquica normal do cérebro a colapsar, e a comunicação entre estas diferentes áreas a tornar-se mais caótica, fluída e flexível.

“Na dose em que usamos, é incrivelmente potente”, afirmou Robin Carhart-Harris, professor de neurologia e psiquiatria da Universidade da Califórnia, citado pelo jornal britânico The Guardian. “As pessoas dizem sair deste mundo e aceder a um outro, incrivelmente imersivo e complexo, às vezes populado por seres que lhes parecem ter um poder especial sobre eles, como que deuses”.

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Para conduzir o estudo, foram recrutados 20 voluntários saudáveis, que receberam uma injeção de 20mg de DMT e um placebo em visitas diferentes ao laboratório. Depois, as cobaias foram sujeitas a um electroencefalograma e ressonância magnética para monitorizar a atividade cerebral, ao mesmo tempo que iam descrevendo de que forma a experiência os afetou.

“O que vimos foi que a DMT ‘dissolve’ as cadeias básicas do cérebro, tornando-as menos distintas umas das outras. Também observámos que os principais ritmos do cérebro — que servem sobretudo uma função inibitória e de constrangimento — se dissipam, o que faz com que a atividade cerebral se torne mais entrópica e recheada de informação”, referiu Carhart-Harris.

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O estudo insere-se numa investigação mais abrangente, que pretende aprofundar o potencial médico da DMT para tratar problemas psicológicos como a depressão. “A DMT é uma droga de curta duração, pelo que é uma ferramenta muito flexivel quando comparada com [cogumelos] ou LSD, que podem durar entre 6 e 10 horas”, explicou Chris Timmerman, líder do grupo de investigação de DMT do Imperial College em Londres, e um dos responsáveis pela elaboração do estudo.

Desde sempre que os seres humanos procuraram alterar os seus estados de consciência com recurso a substâncias psicoativas. A ayahuasca por exemplo, existe há milhares de anos, com os vestígios mais antigos a serem encontrados em 2019, numa escavação arqueológica da Bolívia, que detetaram a presença desta e de outras substâncias, como cocaína, datadas entre os anos 900 e 1170.

O nome da bebida, associada a rituais xamânicos — que, em algumas comunidades, continuam nos dias de hoje — deriva da linguagem quechua, falada pelos povos indígenas dos Andes: aya (que quer dizer “alma”, “antepassados ancestrais”, ou “mortos”) e wasca (“corda”).

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Este mais recente estudo marcou um ponto importante no conhecimento científico sobre a substância, mas os especialistas garantem que ainda há muito por descobrir, apontando semelhanças, por exemplo, entre o efeito da DMT no cérebro e a atividade cerebral quando sonhamos. “Este é apenas o início da resposta à questão sobre como é que a DMT atua para alterar de forma significativa a nossa consciência”, concluiu Carhart-Harris.