O peso da dívida nos países pobres está a subir para níveis “sem precedentes” devido ao aumento das taxas de juro, acarretando custos de centenas de milhares de milhões de dólares, alertou esta quarta-feira a ONU.

Estes aumentos dos juros dos últimos meses, principalmente nos Estados Unidos e na Europa para conter a inflação, podem custar 800 mil milhões de dólares (727,6 mil milhões de euros) aos países em desenvolvimento até 2025, calcula a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) num relatório apresentado esta quarta-feira.

Segundo a agência da ONU, o número de países que gastaram mais com o serviço da dívida externa do que com o sistema de saúde quase duplicou na última década, passando de 34 para 62.

As subidas das taxas diretoras decididas pelos bancos centrais “aumentam o custo do peso da dívida para todos, mas pesam mais nos países em vias de desenvolvimento”, sublinhou à agência France Press (AFP) Jeronim Capaldo, um dos autores do relatório, que também lança dúvidas sobre a utilidade da política monetária para conter o aumento dos preços.

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Impulsionada pelos preços da energia e dos alimentos, a inflação continua alta porque, segundo Capaldo, “não tem nada a ver” com as taxas de juro e está, de facto, ligada à forma como as matérias-primas são comercializadas globalmente.

“O risco (…) é que estamos a ir no caminho errado”, disse.

A dívida dos países em desenvolvimento estará em discussão nas reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, que se realizam esta semana em Washington, mas as soluções continuam “simbólicas”, lamenta o especialista.

A UNCTAD pede, assim, uma revisão do sistema de dívida soberana global e que se facilite o acesso dos países em desenvolvimento à liquidez quando enfrentam crises.

A agência também defende a criação de um órgão independente para avaliar a sustentabilidade da dívida dos países, atualmente fornecida pelo FMI ou pelo Banco Mundial.

Estas instituições “são credores importantes, mas ao mesmo tempo responsáveis pela auditoria das contas públicas dos Estados”, nota Capaldo, assegurando que este conflito de interesses “não ajuda ninguém e muito menos os países devedores”.