São cada vez mais audíveis as críticas a Justin Tkatchenko, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Papua-Nova Guiné, que representou o país na coroação do Rei Carlos III em Londres e se fez acompanhar da filha, Savannah, de 25 anos.

Esta sexta-feira, foram várias as dezenas de papuanos que se manifestaram publicamente contra Tkatchenko, do Partido Pangu, com cartazes e faixas a contestar as declarações “racistas” do MNE: “Não somos ‘primitivos'”.

Antes disso, Belden Namah, deputado, presidente do Comité Parlamentar Permanente de Relações Exteriores, Comércio Internacional, Imigração e Defesa, e antigo vice-primeiro-ministro do país, já tinha exigido a renúncia do ministro — ou, em alternativa, a sua demissão e perda de cidadania.

“As ‘pessoas inúteis’ e os ‘animais primitivos’ deste país asseguraram-lhe o crescimento dos seus negócios, deram-lhe uma mulher, ofereceram-lhe a cidadania, elegeram-no para um cargo público, fizeram dele um ministro e mandaram-no com a sua filha para Londres”, argumentou o membro do Partido da Papua-Nova Guiné.

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A polémica estalou depois de a filha do ministro ter publicado uma série de vídeos no TikTok a documentar a viagem da semana passada ao Reino Unido. “Estás mesmo confiantemente a desfrutar de todas as merdas que o teu pai rouba, não estás?”, escreveu uma utilizadora no Twitter, partilhando um dos vídeos, que entretanto foram apagados, tal como a conta de Savannah Tkatchenko naquela rede social.

Face as críticas à filha — que se filmou a fazer compras no aeroporto de Singapura, nas lojas da Louis Vuitton e da Hermès; a lavar os dentes de pijama oferecido pela Qantas e a tomar o pequeno-almoço na primeira classe; e no quarto de hotel, já em Londres, a fazer unboxing de uma série de cosméticos que comprou — Justin Tkatchenko, natural de Melbourne, na Austrália, mas naturalizado papuano, reagiu de forma pouco diplomática.

São uns “animais primitivos” que “não têm nada que fazer” e “vivem na idade das trevas”, disse à australiana ABC.

“A minha filha está completamente devastada. Está traumatizada com alguns dos comentários mais ridículos e inúteis que já vi. A inveja é uma maldição. E estas pessoas mostram claramente que não têm nada para fazer nas suas vidas”, acrescentou ainda o chefe máximo da diplomacia do país, membro da Commonwealth.

De acordo com a imprensa internacional, a viagem foi paga com fundos públicos do país, de cerca de 10 milhões de habitantes — que tem cerca de 40% da população a viver abaixo do limiar da pobreza, acrescenta a ABC, a partir dos mais recentes dados do Banco Mundial.

Segundo o próprio Justin Tkatchenko, a verba que foi atribuída a Savannah, para custear alojamento e refeições na capital britânica, foi de 25 mil quinas, qualquer coisa como 6.485 euros.

“Fui oficialmente convidado pelo Palácio de Buckingham para ir — eu e a minha esposa — à coroação, em representação do primeiro-ministro e do governo da Papua-Nova Guiné e, para mim, isso foi uma honra absoluta mas, infelizmente, a minha esposa não pôde ir, por isso convidei a pessoa mais indicada, que foi a minha filha”, disse Tkatchenko ao britânico Guardian, uma vez mais não medindo as palavras nem ocultando a fúria.

“Onde é que vão buscar toda esta aldrabice de que estamos a usar mal os fundos públicos a ir para o estrangeiro?! Que grande treta [what a load of bullshit, no original]! Quando se vai para lá a convite, em representação do Governo e do Primeiro-Ministro deste país, isso é uma utilização indevida de fundos?”, questionou ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros da Papua-Nova Guiné, garantindo também que a filha não teria comprado nada em nenhuma das lojas que visitou no aeroporto de Singapura. Confrontado com as afirmações da própria Savannah que o contrariam, nos vídeos que partilhou na internet, Tkatchenko disse não saber de nada.

Entretanto, já esta sexta-feira, Justin Tkatchenko emitiu um comunicado a pedir desculpa aos papuanos e a justificar as suas palavras com o “amor incondicional” que nutre pelos seus “seis lindos filhos”.

“Quando um dos teus filhos é atacado por pessoas sem qualquer respeito pela decência comum, ou pela verdade, isso deixa-te muito zangado e frustrado”, pode ler-se no texto, partilhado pelo Post Courier, da Papua-Nova Guiné. “Ameaças horríveis de natureza sexual e violenta, e palavras nojentas que mulher nenhuma deveria alguma vez ler, foram feitas e usadas contra a minha filha online”, disse ainda o ministro, que garante que as suas palavras se dirigiam apenas aos “trolls da internet que ameaçam, violentam e intimidam as pessoas online”.

James Marape, o primeiro-ministro do país, que até agora se tinha mantido em silêncio, veio entretanto pedir aos papuanos que aceitem as desculpas de Tkatchenko e que se mantenham unidos, admitindo que também ele se sentiu “ofendido” com as palavras do ministro. “Apelo ao nosso povo para que ultrapasse estas questões e se mantenha unido como um só povo, uma só nação, um só país, independentemente da sua cor ou credo.”

Savannah Tkatchenko, que abandonou as redes sociais e tem recusado fazer comentários sobre o caso, garante o seu próprio pai, “compreende agora como o vídeo foi percebido, o que não é adequado”.