A Volta a Itália é composta por 21 etapas, havendo pelo meio das três semanas ainda dois dias de descanso. Todavia, para muitos, o verdadeiro Giro começava apenas esta sexta-feira com uma subida a Crans-Montana, em território helvético, que mesmo com as limitações promovidas pelos riscos de avalanche numa zona em específico prometia ser o primeiro grande desafio de alta montanha apesar dos testes prévios no Gran Sasso e em Fossombrone. E começava com uma história repleta de capítulos inesperados que aumentou de forma exponencial toda a imprevisibilidade que já existe sempre numa grande volta, ainda para mais tratando-se da edição com mais abandonos entre problemas físicos e Covid-19 das últimas três décadas.

O quase paraíso de hoje a pensar no inferno de amanhã: Denz ganha na fuga, João Almeida mantém-se em terceiro do Giro antes de Crans-Montana

Vejamos: Remco Evenepoel, que ganhou os dois contrarrelógios e perdeu apenas 14 segundos entre ataques de Primoz Roglic na montanha, abandonou após contrair Covid-19, sendo que no dia seguinte mais quatro corredores da Soudal Quickt-Step saíram pelo mesmo motivo. Depois, Vlasov também deixou a competição por problemas físicos. No dia seguinte, que tinha tudo para ser apenas mais um dia, Tao Geoghegan Hart fraturou a anca numa queda e foi conduzido de ambulância para o hospital, sendo que a UAE Team Emirates perdeu Alessandro Covi que poderia ser importante para ajudar João Almeida na montanha. O português também já tinha caído, Geraint Thomas, Primoz Roglic e Pavlo Sivakov caíram no infortúnio de Tao. Sim, a Volta a Itália poderia começar apenas agora “a sério” mas o que se passara antes fazia diferença.

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“Agora espero estar bem e com os melhores nas subidas desta equipa, que para mim se adequam bastante ao meu perfil”, comentara João Almeida, apontando para um tipo de tirada com subidas mais longas e menos explosivas à semelhança de um Roglic. “Mais uma vez, em termos de objetivos, vou ficar feliz com o pódio mas se puder ganhar, então melhor”, apontou ainda o corredor de A-dos-Francos antes de um dia com quase 200 quilómetros que, mais uma vez devido às condições climatéricas, caiu para menos de metade.

Tendo em conta as condições adversas, especialmente na parte italiana, a Comissão decidiu aceitar os pedidos dos ciclistas e aplicar o protocolo das condições climatéricas extremas. A 13.ª etapa será encurtada, com o quilómetro zero a ser localizado em Le Chable, na entrada do Croix de Couer. A parte final da corrida será realizada sem alterações”, explicou a organização.

“Para explicar a perspetiva dos corredores, as condições climatéricas que estamos a viver este ano no Giro têm sido das mais intensas. Em resposta a isso, os ciclistas votaram ontem à noite em invocar o protocolo do clima extremo. De acordo com o regulamento, que marca chuva e gelo no ponto 1 e temperaturas extremas no ponto 4 em algumas partes do caminho de hoje, os ciclistas decidiram votar. Se a maioria superasse os 80%, os restantes iriam seguir e respeitar essa decisão da maioria, que mudaria assim a rota que estava prevista. Numa votação anónima, mais de 90% votaram a favor”, explicou também Adam Hansen.

Assim, aconteceu algo estranho com todos os corredores a começarem a pedalar no habitual arranque não oficial mas que não passou de um pequeno aquecimento, tendo em conta que um pouco mais à frente já estavam os autocarros de todas as equipas para conduzirem os “resistentes” até Le Chable, onde iria ter início duas horas depois a etapa com uma extensão de 74,6 quilómetros. Havia ainda assim uma aparente boa notícia: depois da primeira subida cancelada, com muitas pessoas descontentes por estarem preparadas para ver uma corrida que não passaria por aí, a estrada estava quase seca e não havia previsão de chuva.

Num pelotão que deixou de contar com Mad Pedersen, que passou mal a noite e teve de desistir, a etapa teve um arranque esperado logo ao ataque, com um pequeno grupo com Joe Dombrowski, Hugh Carthy, Jefferson Cepeda, Ben Healy, Thibaut Pinot, Bruno Armirail e Jay Vine a ganharem uma vantagem já superior a 20 segundos a um segundo grupo liderado pela Ineos onde estavam todos os candidatos com um ritmo elevado que mostrava como o facto de ser uma etapa mais curta iria endurecer ainda mais as últimas subidas. A 60 quilómetros da meta, Thibaut Pinot mantinha-se na frente mas agora apenas com mais três corredores na sua roda: Jefferson Cepeda, Derek Gee e Einer Augusto Rubio. O avanço era quase de dois minutos.

Ao contrário de Bruno Armirail e Matthew Riccitello, Valentin Paret-Peintre conseguiu ainda colar no grupo da frente, que serviu quase de cicerone para evidenciar as más condições do piso que neste troço estava ainda muito molhado e impedia grandes manobras táticas devido ao risco. Mais atrás, a quase quatro minutos, o grupo dos líderes mantinha-se com a Ineos na frente a marcar ritmo para se escudar de potenciais ataques que poderiam chegar da Jumbo e a UAE Team Emirates a manter dois corredores com João Almeida, sendo que a descida mais lenta permitiu que Sivakov ganhasse fôlego para colar de novo no grupo.

A dez quilómetros da chegada, já em subida mais dura e com Pinot à procura de companheiros para alargar distâncias sem ter grandes ajudas nesse sentido no grupo que voltara a deixar de ter Valentin Paret-Peintre, o grupo perseguidor estava ainda a três minutos, aquela fronteira para evitar grandes surpresas a não ser as possíveis entradas no top 10 mas sem mexer nos lugares cimeiros. E continuava a ser a Ineos a dominar (com Ben Swift a fazer um tirada fantástica), com todos os (muito) espectadores a partir dessa zona entre algumas bandeiras portuguesas à mistura à espera de quando Roglic poderia atacar Geraint Thomas com Almeida a tentar andar na roda do esloveno. Na frente, Pinot “cansou-se” e atacou para tentar fugir na frente.

Rubio e Cepeda conseguiram colar nas investidas do francês mas Pinot mantinha-se como o favorito a ganhar apesar de haver uma resposta forte de Cepeda que se lançou também a cinco quilómetros da meta na frente quase como uma resposta ao corredor da Groupama que tinha “provocado” o equatoriano com palavras e gestos um pouco mais atrás. Rubio andava sempre a tentar colar mas era entre Pinot e Cepeda que parecia andar a chave da tirada até porque entre os favoritos continuava tudo demasiado tranquilo sem ataques ou sequer esboços de algo que quebrasse a monotonia. No entanto, Einer Augusto Rubio seria mesmo o mais forte no final, ganhando a Pinot e a Cepeda que andaram sempre a atacar nos últimos cinco quilómetros. Entre os favoritos, Thomas, Roglic e Almeida passaram ao mesmo tempo com o português na frente.

Assim, e depois de um sétimo lugar em Crans-Montana que foi o quarto top 10 do chefe de fila da UAE Team Emirates em etapas neste Giro (a 1.35 do trio da frente), João Almeida manteve a terceira posição da classificação geral a 22 segundos de Geraint Thomas e a 20 segundos de Roglic. Andreas Leknessund continua em quarto mas a 42 segundos. Seguem-se no top 10 Damiano Caruso (1.28), Lennard Kämna (1.52), Eddie Dunbar (2.32), Thymen Arensman (2.45), Laurens de Plus (3.08) e, agora, Thibaut Pinot (3.13).