Começa a ser uma pergunta frequente no final das etapas, não há outra forma também de colocar a questão. Uns metros à frente da linha de meta, onde sobra alegria, tristeza, orgulho e frustração pelo resultado final da etapa, os jornalistas que acompanham o Giro procuram o vencedor e restantes companheiros de equipa mas vão de seguida a outros conjuntos que tenham estado em destaque. Em Tortona, depois da festa de Pascal Ackermann pelo primeiro triunfo nesta edição e da UAE Team Emirates, o foco virou-se para a Ineos. E lá apareceu a tal questão que se tornou quase uma regra. “Bem, parecia que ia ser uma etapa mais calma mas afinal… O que é que se passou?”. Depois, vêm as explicações. E há muito que não se consegue explicar.

O azar de uns é a sorte de outros: Tao desiste, Thomas e Roglic também caem e João Almeida sobe a terceiro do Giro (a 22 segundos da rosa)

A formação britânica é mais um exemplo de como tudo pode mudar de um momento para o outro nesta Volta a Itália que se tornou uma verdadeira caixinha de surpresas. Antes da 11.ª etapa, e na sequência do abandono de Remco Evenepoel após contrair Covid-19 (entretanto a equipa ficou reduzida apenas a três elementos por haver mais quatro testes positivos), a Ineos tinha tudo na mão para dar cartas no Giro: o líder, Geraint Thomas; um “segundo líder”, Tao Geoghegan Hart, em terceiro a três segundos do compatriota com Roglic pelo meio; três escudeiros entre o oitavo e o 11.º lugar com tudo para serem apostas na montanha entre Pavel Sivakov, Thymen Arensman e Laurens de Plus. Numa curva com piso molhado e talvez alguns resquícios de óleo na estrada, como explicava o agora comentador do Eurosport Jens Voigt, toda a realidade mudou.

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Uma notícia que pode mudar tudo: Remco Evenepoel desiste do Giro por Covid-19 e João Almeida sobe a quarto a 22 segundos da rosa

Primoz Roglic caiu mas Sam Oomen deu-lhe rapidamente a sua bicicleta e o esloveno seguiu com marcas no equipamento (e no corpo), Gerain Thomas também foi ao chão mas levantou-se rápido, Tao Geoghegan Hart ficou a contorcer-se de dores no chão – e quando os corredores ficam na estrada é sinal que alguma coisa de grave se passou –, Pavel Sivakov não conseguiu retomar logo o caminho. O inglês que ganhou o Giro de 2020 seguiu de ambulância para o hospital, onde viu confirmada uma fratura na anca esquerda que vai obrigar a que seja operado, ao passo que o francês desceu para 23.º a mais de 16 minutos da liderança. Tudo isto pode ser uma boa oportunidade para Arensman brilhar na terceira semana mas aquilo que parecia ser um grande favoritismo da Ineos mudou num ápice como em quase tudo neste Giro que fica marcado pelo elevado número de abandonos quando não vamos sequer a meio, como não se via há três décadas na prova.

João Almeida e uma etapa entre boas e más notícias: Vlasov desiste num dia com muitas quedas mas Emirates perde Jay Vine na geral do Giro

No meio de todo este caos, e sem que as previsões do tempo para os próximos dias sejam muito animadoras, João Almeida subiu ao terceiro lugar da classificação geral a 22 segundos de Gerain Thomas e a 20 de Primoz Roglic, dando mais um passo importante para aquele que é o grande objetivo nesta edição após o frustrante abandono na terceira semana em 2022 quando seguia em quarto: garantir o primeiro pódio numa grande volta. “Felizmente, escapei à queda. Foi muito mau. O Tao está fora, o que é muito triste, e o Roglic e o  Thomas também caíram. Foi uma descida simples, não sei como caíram. O Tao era um dos ciclistas mais fortes. Esperava que lutasse pela vitória. É triste, a corrida fica mais pobre com tantos a abandonar. Espero chegar até ao final”, comentou o português, que se mostrou também satisfeito com o triunfo do companheiro Pascal Ackermann: “Estou muito feliz por ele, tem estado muito bem neste Giro”.

“Não estou no pódio mas, por agora, estou feliz. As decisões são na última semana, até lá nada está ganho ou perdido”, destaca João Almeida

Seguia-se uma tirada entre Bra e Rivoli de quase 200 quilómetros, mais uma vez com duas contagens de montanha de terceira e segunda categorias que podiam neste caso fazer mais diferenças do que as anteriores tendo em conta o perfil de etapa para chegada ao sprint que as últimas duas tiveram (embora na terça-feira a fuga tenha conseguido vingar). E até a partida concentrava mais atenções do que é normal, tendo em conta os abandonos que têm marcado esta edição por Covid-19 ou problemas físicos que vinham de véspera. E agora esse problema tocou também à UAE Team Emirates, com Alessandro Covi, que também caíra na véspera no grupo dos favoritos, a ter também de abandonar a prova com suspeitas de uma pequena fratura.

A tirada começou com um episódio caricato, com Marco Frigo e Davide Formolo a conseguirem uma ligeira vantagem em fuga mas que não vingou porque pelo meio houve também um engano numa rotunda. Depois, o grupo partiu mesmo em vários pequenos grupos (João Almeida andou sempre com Thomas e Roglic), com um grupo de 25/27 corredores na frente onde se incluíam nomes como Davide Ballerini, Ilan van Wilder, Patrick Konrad, Laurens Huys, Davide Formolo, Michael Matthews e Mads Pedersen com mais corredores da Trek. Era aqui que estava o grande interesse inicial, com a equipa do dinamarquês a tentar ir buscar os pontos intermédios enquanto a EOLO-Kometa fazia o trabalho para tentar colocar Davide Bais na frente e Jonathan Milan, sem sucesso, procurava colar também na frente sem sucesso. Assim, e a 150 quilómetros do final, a fuga levava 50 segundos de avanço sobre o grupo intermédio e 2.20 do pelotão. Em paralelo chegava a notícia de mais um abandono, com Kaden Groves a ficar para trás até encostar de vez.

A fuga passava a ter agora 30 corredores com a colagem de Lorenzo Fortunato, Luca Covili, Stefano Oldani e David Gabburo, sendo que foi Nico Denz o mais rápido na passagem pela contagem de montanha de terceira categoria de Pedaggera à frente de Amanuel Gebreigzabhier e Samuele Battistella. Um pouco depois, Mads Pedersen conseguiu o seu primeiro grande objetivo do dia, com a vitória no sprint intermédio em Ceresole d’Alba frente a Michael Matthews e Jasha Sutterlin que colocou o dinamarquês a apenas 24 pontos de Milan na camisola dos pontos. Entretanto surgia mais uma desistência, a 39.ª, com Mikael Cherel da AG2R a sair também da prova. A diferença mantinha-se ligeiramente acima dos três minutos mas todos enfrentavam mais um adversário, a chuva, que deixava a estrada perigosa para todos os corredores e que voltou a provocar no meio da confusão mais uma queda que envolveu vários elementos da equipa da DSM.

A 85 quilómetros do final havia uma fuga dentro da fuga, com Alessandro Tonelli, Nico Denz, Sebastian Berwick e Toms Skujins a saírem do grupo e a ganharem com relativa facilidade um avanço de um minuto sobre os restantes fugitivos que em alguns casos já tinham conseguido cumprir o propósito na metade inicial da etapa. Cada vez mais crescia a ideia de que a disputa da vitória iria sair dos quatro elementos da frente, não só pela desorganização do grupo perseguidor mas também pelo baixar de ritmo do pelotão, que até com Patrick Konrad mais à frente preferia poupar energia para a etapa de verdadeira montanha desta sexta-feira. Entretanto surgiam notícias da queda que afetou a DSM, com a desistência de Harm Vanhoucke.

Só mesmo na aproximação a Colle Braida as coisas começaram a mexer lá atrás, com UAE Team Emirates e Ineos a começarem a mexer enquanto os três grupos perseguidores tentavam também reduzir margens para a liderança da etapa. Com o ritmo a aumentar a partir da segunda metade com pendentes maiores, Tonelli acabou por descolar, Berwick foi tendo dificuldades e Skujins tentava deixar também Denz para trás apesar da boa resistência que mostrou apesar da cara de sofrimento. Um pouco mais atrás, os grupos da perseguição uniram-se e Davide Formolo ficava num papel “perdido”, já não conseguindo fechar para a frente para lutar pela etapa mas andando a desgastar-se sem propósito para a UAE Team Emirates tal como a Jumbo ainda tinha também dois elementos nesse ponto. Nico Denz, Sebastian Berwick e Toms Skujins estudavam-se para o sprint final, que caiu para o alemão e deu a primeira vitória nesta edição do Giro à Bora. Mais atrás, a cerca de oito minutos, chegou um pelotão já reduzido com todos os primeiros classificados da geral.

Assim, a nível de classificação geral, Thomas lidera com dois segundos de avanço sobre Roglic, com Almeida em terceiro a 22 segundos e Leknessund a 35”. Seguem-se Damiano Caruso (1.28), Lennard Kämna (1.52), Eddie Dunbar (2.32), Thymen Arensman (2.32), Laurens De Plus (2.36) e Aurélien Paret-Peintre (2.38) no top 10 antes da duríssima etapa de sexta-feira com chegada a Crans-Montana, na Suíça, que pode cravar diferenças a sério entre os principais candidatos apesar das restrições que irão existir na subida.