O Teatro Municipal do Porto recebe sexta-feira e sábado dois espetáculos no ciclo “Retratos”, com “Carta à Matilde”, de Cátia Pinheiro, a encontrar-se com “Info Maníaco”, de André e. Teodósio.

O programa cruza dois espetáculos em que “os artistas convidados se (re)veem ao espelho”, no palco do Teatro Rivoli, com “Carta à Matilde” em cena às 19:30 de sexta-feira e 21:30 de sábado, e “Info Maníaco” pelas 21:30 de sexta e 19:30 do dia seguinte.

No caso do primeiro, a criação da Estrutura começou quando Cátia Pinheiro foi mãe, há dois anos e sete meses, “em plena pandemia de covid-19”, o que “mudou a perspetiva mais do que o esperado”, explicou à Lusa.

“Muda a perspetiva do mundo, da vida. Comecei a escrever mal soube que estava grávida, cartas, que nem sabia que eram cartas, para a minha filha. Ainda por cima quando soube que era mulher, com os desafios que isso implica, de se ser mulher num mundo que ainda é maioritariamente patriarcal. Começou-me a bater tudo de todos os lados, carregada de oxitocinas e hormonas em alta”, descreve.

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Essa carta tornou-se de tal forma grande “que não cabia só em papel”, e por isso foi parar a um espetáculo como “a confusão de uma mãe, acima de tudo de uma mulher, que tenta explicar o mundo a outra mulher”, e para isso convocou outras pessoas para escrever consigo.

Assim, a Cátia Pinheiro juntou-se Joyce Sousa, Mafalda Banquart e Sónia Baptista, na colaboração dramatúrgica, a caminho do palco em que estarão a própria Cátia Pinheiro, Sónia Baptista, além de Romana Naruna e Beatriz Filomeno.

Espetáculo construído a “partir de um sítio bastante íntimo, mesmo muito pessoal”, levou a uma proposta cenográfica “bastante cinematográfica” em que o público vê parte do espetáculo do lado de fora de um vidro, que depois se abre, e que “fecha lá dentro” o elenco, e no qual é projetado vídeo, da autoria de Vasco Mendes, enquanto a peça se desenrola do outro lado.

Essa representação da “cabeça e corpo” de Cátia Pinheiro prossegue nos temas, olhando para o futuro pela lente dos temas ambientais e das questões de género, de poder e política, numa abordagem interseccional que reflete sobre como olhar para o futuro pode ser “uma impossibilidade”.

“Carta à Matilde” será depois apresentado em Lisboa em setembro, no São Luiz — Teatro Municipal.

O outro espetáculo deste programa duplo, “Info Maníaco”, estreou-se já em 2021 e vem do encontro de André e. Teodósio com José Maria Vieira Mendes nos Teatro Praga em 2005, quando criaram “Super Gorila”, um espetáculo que “tentava articular uma ideia de arte enquanto desmantelamento do mundo”, contou Teodósio à Lusa.

“Passados [quase] 20 anos, decidi rever esse espetáculo. Entrava em cena com um saco e estava pronto para rebentar com o mundo. Passado este tempo, é um olhar sobre o meu percurso, entretanto na Praga e uma resposta a esse espetáculo. […] Se por um lado naquele espetáculo ainda fazia sentido falar da arte de dobrar o mundo, achei que devia fazer um outro para me dobrar a mim”, afirmou.

A história pessoal e criativa é articulada com processos cognitivos, com “muito de neurologia” inserido, assim como de física quântica, “para pôr tudo em articulação e criar um momento” em que o artista se pode olhar a si próprio, mas de fora.

“Articulo estas coisas todas, enquanto me esculpo a mim próprio. Sou um corpo em constante movimento enquanto articulo estas ideias. ‘Info Maníaco’ é uma pessoa que procura um desmantelamento do eu, que tenta sair da sua história, rearticular-se com o mundo, não necessariamente explodindo, mas dizendo ‘se calhar a forma como olham para mim, como olho para mim, são muitas outras maneiras'”, acrescenta.

Em palco, além das questões pessoas e da reflexão sobre o que é a arte e como pode dobrar o mundo, está Bruno Bogarim, o cenógrafo, porque nesta peça “a cenografia é o cenógrafo”, peça central de outros elementos espalhados pelo espaço.

Depois do Porto, o solo “Info Maníaco” é apresentado a programadores internacionais na Plataforma Portuguesa de Artes Performativas, em inglês, e terá também datas em Bilbau, Espanha.