O Fundo de Resolução já não pagou nada ao Novo Banco em 2022, o que acontece pela primeira vez desde que entrou em vigor o mecanismo de capital contingente acordado com o comprador do banco em 2017. E no final do ano passado, era credor em 66 milhões de euros ao abrigo do mesmo mecanismo, um valor ao qual “podem acrescer outros montantes”, de acordo com o relatório do Fundo do ano passado que foi divulgado esta quarta-feira.

Em causa estão perdas reconhecidas e cobertas pelo Fundo de Resolução num dos ativos que estão cobertos pelo mecanismo de capital contingente, ao abrigo do acordo que protegeu o acionista privado Lone Star e o Novo Banco das operações mais ruinosas herdadas do antigo Banco Espírito Santo. O ativo em causa é o Banco Econômico, instituição bancária angolana que resultou da intervenção do Banco de Angola no BESA (Banco Espírito Santo Angola). A exposição ao BESA foi um dos principais fatores que arrastou o BES para a resolução bancária em 2014.

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As perdas com exposição ao antigo BESA do Novo Banco, que incluíam um empréstimo de 425 milhões de dólares, estavam cobertas pelo mecanismo de capital contingente, tal como outros ativos problemáticos desde participações, imóveis e crédito aos devedores. E existiam “diferentes perspetivas” sobre o grau de recuperação dessas perdas, com o Fundo de Resolução a defender que as hipóteses eram mais positivas do que as registadas pelo Novo Banco. Essas diferenças foram objeto de um acordo em maio de 2021 entre a gestão do banco então liderada por António Ramalho e o Fundo de Resolução. Na sequência de uma reestruturação realizada em 2020 (e na qual deixou de ser acionista do banco angolano), o Novo Banco “obteve já uma recuperação superior ao valor pela qual aquela exposição se encontrava registada no balanço do Novo Banco”.

Segundo o relatório do Fundo liderado por Luís Máximo dos Santos, “ao momento atual encontra-se já apurado um valor a receber pelo Fundo de Resolução, no montante de 66 milhões de euros, a que podem acrescer outros montantes”. Este montante representa um acréscimo muito significativo face ao valor recuperado em 2021 que era de 11 milhões de euros.

Os direitos de crédito do Fundo de Resolução, incluindo os 66 milhões de euros já apurados, “serão utilizados para a liquidação de eventuais valores a pagar ao Novo Banco pelo Fundo de Resolução”, isto no caso de estes virem a ser determinados pelos vários litígios entre as duas instituições que se encontram em análise em tribunal arbitral. “Não havendo outros valores a pagar pelo Fundo de Resolução que possam ser utilizados para compensação, o Fundo de Resolução receberá os valores em causa no termo do acordo de capitalização contingente”. O acordo termina em 2025,

Apesar deste efeito positivo na relação financeira com o Novo Banco, o Fundo de Resolução vai continuar a perder posição acionista na instituição bancária, por via dos aumentos de capital através do regime regime especial de ativos por impostos diferidos. Até 2022, estas conversões resultaram na diluição da participação de 25% para 19,3%, o que resultou numa perda financeira de 55 milhões de euros. O Novo Banco já notificou o Fundo para o exercício de direitos de conversão em nova operação, que se não for executado irá resultar na diminuição de mais 6,27% da sua posição.

Pedidos do Novo Banco furaram o teto do mecanismo de capital contingente

Até 2022, as chamadas de capital e pretensões apresentadas pelo Novo Banco (que iriam exigir mais capital) totalizaram 4116 milhões de euros, um valor que é superior ao teto máximo de injeções definido no mecanismo de capital contingente que era de 3.890 milhões de euros. Deste montante, o Fundo de Resolução transferiu 3.405 milhões de euros. Existem ainda diferendos em arbitragem internacional de centenas de milhões de euros, entre os quais se destacam pela sua dimensão o último pedido de pagamento de 209 milhões de euros apresentado pelo Novo Banco relativo a 2021 — ano no qual o banco já apresentou lucros, mas o pedido foi feito por conta das perdas esperadas por via do pagamento de IMI devido ao facto da empresa da Lone Star que detém a participação estar sediada num território com regime fiscal mais favorável, e as perdas de 147,4 milhões de euros reconhecidas pela decisão de vender a filial espanhola em 2020.

Em 2021, o Fundo de Resolução ganhou um litígio de valor expressivo, mais de 200 milhões de euros, relativo à adoção de regime contabilístico que teria gerado mais perdas a cobrir pela instituição, mas o Novo Banco recorreu para os tribunais.

O Fundo de Resolução é uma entidade pública financiada pelas contribuições pagas pelo setor bancário, tendo recorrido a empréstimos da banca e sobretudo do Estado para financiar as suas responsabilidades na resolução bancária em Portugal.

O Fundo de Resolução apresentou no ano passado uma melhoria da situação líquida, fruto da evolução positiva na Oitante, empresa que ficou com os ativos do Banif, e também pela circunstância já referida de não se ter realizado qualquer pagamento ao Novo Banco. Apesar de os recursos próprios terem crescido 107 milhões de euros e a situação patrimonial ter melhorado em 340 milhões de euros, a situação líquida continua fortemente negativa nos 6.974 milhões de euros, face aos 7.207 milhões de euros de 2021.