Desde 2019, quando aquela conferência em lágrimas parecia anunciar algo inevitável que todos temiam mas ninguém parecia querer acreditar até uma segunda operação à anca voltar a permitir sem dor algumas coisas tão simples como baixar-se para apertar os ténis, Andy Murray em court é sinal de guerreiro. Já não é aquele jogador de antigamente, “aquele” que se conseguia colocar de uma forma legítima e continuada entre os três mosqueteiros do ténis mundial ganhando numa era que deveria ser apenas para Roger Federer, Rafa Nadal e Novak Djokovic, mas é um poço de força, de vontade, de entrega, de perseverança, de gosto por fazer aquilo que o corpo não permitiu que fizesse sobretudo a partir de 2016. Em Wimbledon, não foi diferente.

Após um arranque de época em piso rápido que terminou na terceira ronda do Open da Austrália (derrota com Robert Batista Agut) mas ainda permitiu ir a uma final em Doha frente a Daniil Medvedev, o britânico não teve um bom início de temporada na terra batida com desaires a abrir em Monte Carlo, Madrid e Roma entre o triunfo no challenger de Aix-en-Provence. No seguimento, com alguma surpresa à mistura, acabou por abdicar de mais uma participação em Roland Garros, onde tinha ido antes a uma final e quatro meias. Razão? Preferia centrar baterias na relva como preparação para Wimbledon. E todo o caminho até a esse momento foi feito com isso no pensamento, sendo que pelo meio ainda fez história ao tornar-se o jogador mais velho a ganhar um torneio em relva, primeiro em Surbiton e depois em Nottingham (onde afastou nas meias o português Nuno Borges). Nem a eliminação precoce em Queen’s baixava moral.

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“Um dos dez melhores jogadores em relva? Sim, creio que sim. É difícil quantificar mas sim, tenho possibilidades contra muitos dos jogadores do circuito em relva. No ano passado ganhei ao [Nick] Kyrgios, que mais tarde fez final em Wimbledon. Ganhei ao Tsitsipas, um dos melhores do mundo, apesar de relva não ser a sua superfície favorita. Além disso estive empatado com o Berrettini na final de Estugarda, que está claramente entre os melhores em relva, antes de se lesionar”, comentou ao The Guardian, deixando a certeza de que pretende continuar a jogar e ir talvez aos Jogos Olímpicos de Paris. “Ainda quero ganhar. Quero competir, ver até onde posso empurrar os limites do meu corpo. Depois de todas as operações, disseram-me que podia jogar de novo e agora quero ver quão longe posso chegar”, acrescentou o britânico de 36 anos.

Um recorde batido, dois torneios do circuito challenger ganhos, o regresso aos triunfos em Inglaterra sete anos depois da vitória em Wimbledon, a memória dos dez anos sobre o primeiro sucesso em Wimbledon (o The Telegraph contou esta semana várias histórias ainda não conhecidas desse momento) que apareceu após outros dos momentos altos da carreira que foi a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres. Tudo a ajudar a uma esperança reforçada que não saiu defraudada com o compatriota Ryan Peniston.

Depois de um primeiro set que ainda teve alguma história, num dia por si só sem grandes histórias tendo em conta a chuva que levou à interrupção e ao adiamento de dezenas de jogos (basicamente todos menos os que eram jogados nos dois courts fechados), Murray, que está nesta fase no 40.º lugar do ranking, não deu hipóteses a Peniston e fechou o encontro em 6-3, 6-0 e 6-1 com apenas duas horas de jogo com nomes bem conhecidos nas bancadas como Kate Middleton, princesa de Gales, e o antigo campeão Roger Federer.

“Foi bom ter aqui a realeza mas também a realeza do ténis. É fantástico ter aqui o Roger a apoiar-me. Na última vez que em estive neste court e ele estava a ver, foi nos Jogos Olímpicos e ele estava na box do Stan Wawrinka a apoiá-lo. Hoje até me aplaudiu umas vezes!”, comentou após um triunfo muito festejado nas bancadas (quase tanto como a ovação prestada ao antigo jogador suíço quando foi anunciado pela organização). “Estava muito nervoso no início mas a partir da primeira vez em que consegui fazer o break consegui fazer um bom jogo. Houve ali sinais muito bons”, acrescentou o britânico, que parece estar a viver mais uma vida no ténis que será colocada agora à prova pelo vencedor do jogo entre Tsitsipas e Thiem.