O acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade, assinado em outubro na concertação social entre Governo, patrões e UGT (só a CGTP ficou de fora), é tido pela OCDE como um exemplo de diálogo social para a partilha dos custos da inflação entre os vários agentes da economia.

“Os acordos tripartidos, incluindo em matéria de salários, eram relativamente comuns nos tempos áureos da negociação coletiva, mas são agora muito raros. Contudo, o acordo tripartido de 2022 sobre salários e competitividade em Portugal mostra como o diálogo social tripartido pode ser reavivado para ajudar a garantir uma partilha justa dos custos com a inflação elevada”, lê-se no relatório anual sobre emprego, da OCDE, divulgado esta terça-feira.

A negociação coletiva tem perdido terreno na última década nos vários países da organização: em 2019 (dados mais recentes), em média, 15,8% dos trabalhadores eram sindicalizados, uma quebra abrupta face aos 33% de 1975. Essa redução ajudou a que a percentagem de trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva tenha diminuído — de 46% em 1985 para 32,1% em 2020. Portugal não é exceção neste contexto.

Um dos objetivos do acordo de rendimentos português é a valorização da negociação coletiva, “através da sua promoção na fixação dos salários, na atualização das principais convenções coletivas de trabalho” e enquanto “ferramenta que permite alinhar os salários com a produtividade das organizações”, segundo o documento assinado pelas partes, na concertação social.

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Uma das medidas nesse sentido é a majoração em 50% dos custos com a valorização salarial para as empresas que aumentem os salários em linha ou acima dos que constam no acordo (5,1% em 2023, 4,8% em 2024; 4,7% em 2025 e 4,6% em 2026) e que reduzam o leque salarial entre os que ganham melhor e os que ganham pior. É que, para acederem, devem ter “contratação coletiva dinâmica”.

As confederações patronais têm-se queixado que, pela forma como foi traduzido para o Orçamento do Estado para 2023, estão a ficar de fora do benefício as empresas que, tendo contratação coletiva e aumentado os salários acima do referencial, não plasmam nos instrumentos de regulamentação coletiva os aumentos salariais (por exemplo, porque esses instrumentos podem ser plurianuais).

Na última reunião da concertação social, o Governo já disse que pondera dar o benefício mesmo a essas empresas em 2024. Mas a partir daí, volta a apertar as regras. Isto porque é intenção do Executivo fomentar a negociação coletiva. “O objetivo é entender que há um caminho a fazer, e esse caminho é pedagógico, junto das empresas. É de quem reconhece que temos de valorizar a contratação coletiva mas temos de o fazer de forma progressiva”, esclareceu, aos jornalistas, na semana passada, o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes.

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Aumento dos salários não terá gerado “espiral” inflacionista

“Nalguns países (por exemplo, Portugal, Eslováquia, Eslovénia e Espanha), as negociações em certos setores têm sido aceleradas à luz dos inesperados aumentos nos preços”, diz a OCDE. Noutros, devido à incerteza, os parceiros sociais optaram por adiar a assinatura dos acordos coletivos ou avançado com pagamentos extraordinários (one-off).

Na OCDE, os salários negociados na contratação coletiva entre trabalhadores e empresas caíram, em 2022, em termos reais (incluindo em Portugal), mesmo em países como Áustria, Finlândia, Itália, Países Baixos e Suécia, onde o peso da negociação coletiva é significativo.

A OCDE chama, porém, a atenção para o facto de os aumentos salariais na negociação coletiva tenderem a responder mais lentamente à inflação porque ou são negociados anualmente (como, geralmente, em Portugal) ou mesmo de dois em dois anos. Por isso, antecipa que o aumento dos salários na contratação coletiva acelere nos próximos trimestres, à medida que as rondas de negociação mais recentes tentam recuperar pelo menos parte das perdas de poder de compra.

Em termos gerais, além da contratação coletiva, a OCDE também conclui que apesar do aumento nominal dos salários, em termos reais (isto é, com o impacto da inflação) os salários estão a cair em todos os países da OCDE. No primeiro trimestre de 2023, os salários reais diminuíram 3,8% face a período homólogo na média dos 34 países da OCDE com dados disponíveis. Em 30 países, (incluindo Portugal) houve uma redução.

Por isso, a organização não vê sinais de uma “espiral” inflacionista. “Em termos gerais, não há indicação de uma espiral preços-salários, enquanto o principal risco para o futuro é o agravamento da crise do custo de vida na OCDE. De facto, apesar de a inflação ter vindo a desacelerar na maioria dos países da OCDE, o crescimento dos salários nominais continua a ficar para trás, pelo que os salários reais continuam a cair”, afirma.

Especificamente em relação ao salário mínimo, a OCDE diz que havia um “receio” de que as subidas alimentassem a inflação. Mas isso também não se terá verificado. Para a organização, o efeito do aumento do salário mínimo nos restantes salários está a ser “limitado”.

Inteligência artificial ainda não está a afetar a procura por trabalhadores

Grande parte do relatório deste ano sobre o emprego é focada na inteligência artificial (IA) que, até ao momento, não está a ter impacto na procura das empresas por trabalhadores mas sim na qualidade dos empregos. Isto pode estar a acontecer porque “a adoção de IA é relativamente baixa e/ou porque as empresas até agora preferem contar com ajustamentos voluntários na força de trabalho”.

Os eventuais efeitos negativos da IA podem, por isso, demorar a ser visíveis. O maior impacto, até ao momento, tem sido na qualidade do trabalho. “Os trabalhadores e os empregadores reportam que a IA pode reduzir tarefas entediantes e perigosas, conduzindo a um maior envolvimento dos trabalhadores e à segurança física”, acredita a OCDE, que também aponta riscos.

“Há casos relatados de IA que automatizam tarefas simples e deixam os trabalhadores com um ambiente de trabalho mais intenso e de ritmo mais elevado. A IA também pode alterar a forma como o trabalho é monitorizado ou gerido, o que pode aumentar a perceção de justiça, mas também apresenta riscos para a privacidade e a autonomia dos trabalhadores na execução das tarefas. A IA pode também introduzir ou perpetuar preconceitos”, defende a OCDE. Os parceiros sociais podem ajudar a decidir que tecnologias são adotadas, a garantir direitos dos trabalhadores e a ajudá-los a desenvolver novas competências, frisa a organização.