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A história começa por ser um feito pequeno que evolui para níveis impossíveis de calcular. A da seleção da África do Sul começou a ser escrita em 2019 quando a equipa se qualificou pela primeira vez para um Mundial. Na anterior edição do torneio, as Banyana Banyana, alcunha pela qual é conhecida a equipa, quebraram outra marca. Thembi Kgatlana, no jogo de estreia, contra a Espanha, marcou o primeiro golo do país nesta competição. Mesmo assim, as três derrotas obtidas noutros tantos jogos, deixavam espaço para novos desenvolvimentos no enredo. Em 2023, a África do Sul procurava um inédito triunfo num Mundial. A primeira jornada do grupo G não o trouxe, pois a Suécia superiorizou-se (2-1) face à jogadoras treinadas por Desiree Ellis.

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Após um desempenho surpreendente diante das nórdicas, era legítimo a África do Sul pensar que estava num bom caminho para atingir a tão desejada vitória. Só uma vontade tão grande ou maior podia impedir isso de acontecer. Não era preciso ir longe para encontrar oposição com essas características. A Argentina, embora no Mundial que tem como anfitriãs a Austrália e a Nova Zelândia realizasse a quarta participação na prova, também nunca ganhou em jogos a contar para esta competição. A alviceleste teria necessariamente que fazer melhor que em 2003, 2007 e 2019.

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Em caso de se considerar a Suécia de um nível à parte das restantes seleções do grupo, então pode dizer-se que a Argentina já tinha desperdiçado uma grande oportunidade de conseguir o seu objetivo contra a Itália, jogo que perdeu por 1-0. Talvez por isso as sul-americanas tivessem a última chance de ser felizes diante da África do Sul, uma vez que, na última jornada, as comandadas de Germán Portanova defrontam as nórdicas.

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“Pode ser um dia histórico para nós, não queremos desperdiçá-lo, não queremos desperdiçar este Campeonato do Mundo. Só tenho palavras de gratidão por todas as mensagens positivas que recebemos”, enalteceu o técnico argentino. No entanto, do lado da África do Sul, Desiree Ellis expressava a mesma confiança. “Só precisamos de estar sólidas defensivamente porque uma coisa é certa: vamos criar oportunidades. Mostrámos isso contra a Suécia. Só temos que ser melhores e mais clínicas na finalização e assim conseguiremos um resultado positivo”.

A selecionadora sul-africana confessou a sorte que tinha em não ter baixas por lesão. Aos 20 minutos de jogo com a Argentina, no Estádio Forsyth Barr, na Nova Zelândia, Desiree Ellis perdeu Refiloe Jane que, num lance aéreo com Flor Bonsegundo, caiu mal e lesionou-se dando lugar a Kholosa Biyana. Nessa altura, ainda não havia oportunidades de golo. A Argentina instalava-se mais tempo no meio-campo ofensivo, mas tratava-se de uma falsa sensação de domínio. A África do Sul mostrou-se astuta e vertical para, no momento da recuperação, causar perigo em ataque rápido.

O estilo eletrizante que as Banyana Banyana impunham valeu o golo à equipa africana. Thembi Kgatlana atacou o espaço nas costas de uma linha defensiva argentina cujo alinhamento foi posto em causa por Miriam Mayorga e, perante a guarda-redes, carregou no triângulo e fez aquele passe ao lado, típico dos videojogos, que valeu um golo cantado. Linda Motlhalo (30′) só teve que encostar. Inicialmente, o lance foi anulado, mas a árbitra acabou por anunciar, com todos os presentes no estádio a ouvir, que não havia posição irregular.

A Argentina respondeu com Paulina Gramaglia a atirar ao poste quando a intenção era cruzar. O perigo não abalou a África do Sul. Nos oito minutos de compensação da primeira parte, Linda Motlhalo retribuiu a assistência a Kgatlana, mas, neste caso, o fora de jogo assinalado pela árbitra assistente acabou por ser a sentença definitiva.

Kgatlana podia ter aberto a segunda parte a marcar, mas errou por pouco. A selecionadora Desiree Ellis teve que tomar uma decisão delicada. Kholosa Biyana, que tinha entrado ao minuto 25, saiu ao minuto 54 por estar a arriscar a expulsão. Com o resultado tão nivelado, ficar em inferioridade numérica era um risco a não correr numa fase em que, com duas substituições ao intervalo, a Argentina cresceu ligeiramente.

No entanto, a África do Sul sem temer o espaço que podia ceder na defesa, continuou a sair para o ataque. Jermaine Seoposenwe, uma das jogadoras mais adiantadas da equipa, descaiu sobre a direita, deixando a zona de finalização para Kgatlana (66′) aparecer por lá a fazer o segundo.

A energia de Yamila Rodríguez, a jogadora que tem uma tatuagem de Cristiano Ronaldo na perna, começou a sentir-se na Argentina. A jogadora do Palmeiras foi a líder emocional a partir do momento em que entrou, embora tenha sido uma chicotada de Sophia Braun (74′) que deu início à transfiguração do encontro. O golo de fora a área, com a bola a saltar promoveu que cinco minutos depois, num lance menos exuberante em termos técnicos, Romina Núñez (79′) desviasse de cabeça para fazer o 2-2. Ainda que a história tenha ficado à espera, a África do Sul, assim, que emagrecer o peso na consciência por ter desperdiçado uma vantagem de dois golos, vai perceber que é, entre as duas equipas, a que sai com mais motivos para sorrir por ter conquistado o primeiro ponto de sempre num Mundial.

A pérola

  • Foi a centrocampista responsável pelas tarefas de criação no 4x2x3x1 da África do Sul, mas mais parecia uma velocista a jogar pelo meio e só assim estava habilitada a alcançar o ritmo das colegas da frente e atacar a zona de finalização ao mesmo tempo que elas. Linda Motlhalo, além do golo que marcou e de outro que esteve perto de obter com um grande remate de fora de área que passou ligeiramente ao lado, foi o complemento perfeito ao ritmo a que a equipa quis jogar. Saiu aos 83 minutos quando a África do Sul abdicou da sua artista para tentar não perder a partida.

O joker

  • Caiu do onze inicial em relação ao jogo com a Itália, mas nem por isso entrou menos motivada ao intervalo. Conhecida como Pequeno Motor, Romina Núñez marcou o segundo golo do jogo que deixou a alviceleste a pensar na reviravolta completa no marcador. Deu significado às mudanças operadas por
    Germán Portanova que acabaram por compensar no fim.

A sentença

  • O empate deixa tudo em aberto no grupo G. Argentina e África do Sul ficam a aguardar com expectativa para o embate deste sábado entre Suécia e Itália para calcularem de maneira mais rigorosa o que têm que fazer na última jornada para seguirem em competição. Certo é que a África do Sul vai ter sempre a vida mais facilitada por defrontar a 23.ª seleção do ranking, em constraste com o encontro que a Argentina vai ter com a equipa número três do mundo. A seleção vencedora do Suécia-Itália garante automaticamente a passagem aos oitavos de final.

A mentira

  • As comparações com o futebol jogado por homens têm sempre o risco de serem injustas. A Argentina, no feminino, ainda está longe de ser tão dominante como é no masculino. Ainda assim, em Dunedin, ouviu-se o cântico que virou hino depois de Lionel Messi e restantes companheiros se terem sagrado campeões do mundo no Qatar. Muchachos //Ahora nos volvimos a ilusionar // Quiero ganar la tercera // Quiero ser campeón mundial. A letra é no mínimo desadequada para apoiar uma seleção que ainda não foi desta que conseguiu a primeira vitória num Mundial.