É mais um contratempo no já muito atribulado processo de renovação da frota da Transtejo. As estações de carregamento das baterias para os novos navios elétricos deveriam estar a ser instaladas nos principais cais da operadora fluvial. Mas o calendário teve de ser revisto e só para o ano é que os equipamentos ficarão todos operacionais.

Estes sistemas são fundamentais para carregar, a cada escala, no cais de origem e de destino as baterias dos novos navios. Algumas destas embarcações já estão construídas e em fase de testes nos estaleiros das Astúrias à espera que em Lisboa estejam reunidas as condições para realizar as provas finais com vista à sua entrada em serviço. Para já, não existe uma previsão oficial sobre quando poderão estas embarcações entrar em operação comercial.

Renovação da frota da Transtejo encalha pela segunda vez depois de um contrato chumbado, uma demissão e um alerta ao primeiro-ministro

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O calendário do concurso atribuído em 2022 ao consórcio liderado pela CME por 14,4 milhões de euros previa que os sistemas de carregamento começassem a ficar operacionais a partir do final de maio no Seixal, no final de junho no Cais do Sodré, em final de setembro no Montijo e até 31 de outubro em Cacilhas.

Mas até agora nenhum foi executado porque não foi possível obter todas as licenças necessárias junto de várias autoridades para ligar à rede elétrica de média tensão e para certificar os pontões junto das autarquias e da Direção-Geral de Recursos Marinhos. Fonte oficial da Transtejo confirma ao Observador o atraso neste processo.

“O cronograma de execução da empreitada de conceção/construção e fornecimento das estações de armazenamento de energia de terra foi objeto de revisão”, motivada por dois fatores.

A circunstância da “validação, certificação e licenciamento do projeto depender de um elevado número de entidades externas (E-Redes, DGEG, APL, Câmaras Municipais e DGRM) e devido à “grande complexidade do projeto, designadamente, o seu caráter inteiramente inovador”. Este argumento já foi usado no passado, pela anterior gestão da empresa, para explicar os percalços nesta renovação de frota. Fontes do setor apontam a falta de estudos a fundamentar as decisões tomadas pela empresa. O primeiro concurso foi lançado em 2019, anulado e relançado em 2020, e que suscitou um chumbo do Tribunal de Contas que levou à demissão este ano da anterior administração.

De acordo com o calendário revisto remetido pela Transtejo, a entrega da estação de carregamento do terminal fluvial do Seixal está prevista agora para dezembro deste ano e a entrega das restantes estações agendada para o decurso do primeiro semestre de 2024.

Questionado sobre o arranque comercial dos novos navios, a empresa agora liderada por Alexandra Carvalho indica que “é prematuro avançar com datas concretas para a entrada ao serviço na operação fluvial”.

Navio elétrico da Transtejo, o Cegonha Branca

O Cegonha Branca chegou a Lisboa em março deste ano e teve de ser reparado porque sofreu danos no casco na travessia

Só um barco com bateria

A Transtejo recebeu uma das 10 embarcações adjudicadas em 2020 à Estaleiros Gondán, empresa das Astúrias, por 52,4 milhões de euros. O navio leader “Cegonha Branca” tem auto de receção provisória, desde final de junho, tendo-se iniciado o processo de formação das tripulações no início de julho, indicou a empresa. Este é o único do lote dos 10 navios comprados que inclui a bateria, já que o contrato deixou de fora as restantes nove baterias.

A empresa tentou comprar as baterias ao fabricante dos navios através de um ajuste direto, mas o Tribunal de Contas (TdC) recusou dar o visto a este contrato de 15 milhões de euros, tecendo críticas muito duras à administração da Transtejo que acusou mesmo de as justificações dadas aos juízes faltarem à verdade. O acórdão que seguiu para o Ministério Público resultou na demissão da administração liderada por Marina Ferreira que estava à frente da Transtejo desde 2017.

Com navios elétricos sem baterias, que um dos juízes do TdC comparou a comparar a carros sem motor, a nova administração não teve alternativa que não a de lançar um concurso público para este fornecimento respeitando assim a indicação dada ao Tribunal de Contas a propósito do contrato original de aquisição dos 10 navios, o qual obteve visto prévio.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre os navios sem baterias.

A Transtejo afunda milhões em navios sem baterias?

Mas só apareceram dois candidatos e um deles é o próprio construtor dos navios, os Estaleiros Gondán, a quem a Transtejo já tinha tentado comprar as baterias por ajuste direto, isto depois de ter feito um concurso inicial que ficou vazio. O segundo concorrente é uma startup portuguesa, a Oceântia, que está ligada ao negócio de autocarros elétricos.

O concurso foi lançado com um valor base de 16 milhões de euros, superior ao contrato de ajuste direto para as mesmas baterias ao qual foi recusado o visto. O prazo fixado para a entrega dos nove packs de baterias marítimas é de 10 meses, contados a partir da data de celebração do contrato, já com visto prévio do Tribunal de Contas.

Os fornecedores e fabricantes de baterias elétricas para navios não apresentaram propostas ao concurso cujo caderno de encargos tem especificações muito detalhadas, que, por sua vez, seguem o projeto técnico preparado pela Astilleros Gondán. Apesar de esta empresa não fabricar baterias, já tem acordo com um fornecedor canadiano para os navios da Transtejo. Antes de avançar com o ajuste direto que foi travado pelo Tribunal de Contas, a empresa portuguesa de transportes tentou sem sucesso adquirir as baterias a este fornecedor.

A renovação da frota da Transtejo foi anunciada em 2018 depois de a empresa ter enfrentado uma vaga de supressões por causa de avarias nos navios que fazem a travessia fluvial do Tejo. Internamente a empresa chegou a preparar um concurso para embarcações com motor híbrido que combinassem eletricidade com um combustível fóssil de forma a permitir uma maior flexibilidade na operação. A pressão da tutela do Ministério do Ambiente para aceleração da transição energética levou, numa primeira fase, à decisão de lançar um concurso para navios movidos a gás natural em 2019, cujas primeiras entregas estavam previstas para 2021.

Mas o formato do concurso que juntava o fabrico e a manutenção condicionou as propostas recebidas, das quais nenhuma foi validada pelo júri. O concurso foi anulado e refeito para adjudicar navios totalmente elétricos, mais uma vez por orientação dada pela tutela à administração da empresa, e que foram concebidos especificamente para responder aos requisitos da Transtejo.

A operadora separou a renovação da frota em três concursos distintos — navios, baterias e sistemas de carregamento — com valores que já vão em mais de 82 milhões de euros. Destes três, apenas a construção dos navios parece estar a decorrer como o previsto, mas sem os outros dois sistemas a operação comercial não pode avançar.