O Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, o Mais Habitação, anunciou a Presidência. E, nas explicações, arrasa em quase toda a linha o programa.

O veto é acompanhado por um conjunto de explicações por parte de Marcelo Rebelo de Sousa que admite que devolvido à Assembleia poderá voltar igual. Para Marcelo, “não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez”. Diz mesmo que “é um exemplo de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente”.

Já esta segunda-feira, em declarações sobre o veto a partir da Polónia, o Presidente da República insistiu que o diploma é “manifestamente insuficiente” e que só um consenso político alargado poderia “compensar” essas insuficiências, o que não aconteceu. E avisou: daqui a “dois, três anos” se verão os resultados que as medidas do Governo conseguiram, ou não, produzir.

Apesar de admitir que o diploma foi sendo alterado, e corrigido no arrendamento forçado e no alojamento local, “dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”. Para o Presidente, houve um “compasso de espera de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente”.

E “não se vislumbram novas medidas, de efeito imediato, de resposta ao sufoco de muitas famílias em face do peso dos aumentos nos juros e, em inúmeras situações, nas rendas”.

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Outro ponto que leva Marcelo a vetar o Mais Habitação é ter sido apenas aprovado com votos a favor do PS. “Acordo de regime não existe e, sem mudança de percurso, porventura, não existirá até 2026“.

O debate no Mais Habitação foi, no entender do Presidente, polarizado em torno do arrendamento forçado e o alojamento local. “Apagou outras propostas e medidas e tornou muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação, fora e dentro da Assembleia da República”. Marcelo viu posições no Parlamento radicalizadas, “deixando a maioria absoluta quase isolada, atacada, de um lado, de estilo proclamatório, irrealista e, porventura, inconstitucional, por recair, em excesso, sobre a iniciativa privada, e, do outro, de insuficiência e timidez na intervenção do Estado”.

As críticas sucedem-se. O Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção da habitação; o apoio dado a cooperativas ou o uso de prédios públicos devolutos ou privados para arrendamento acessível “implicam uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU”. Além disso, o “arrendamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável”. No alojamento local a “complexidade do regime” torna “duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos”.

Ou seja, em várias das medidas emblemáticas, Marcelo Rebelo de Sousa arrasa a sua implementação e consequências.

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Marcelo Rebelo de Sousa faz, mesmo, uma conclusão final:

“Isto é, tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral”.

O otimismo do Governo “no ambicioso” programa acarretava, no entender de Marcelo Rebelo de Sousa, riscos “de expectativas elevadas para o prazo, os meios e a máquina administrativa disponíveis e, portanto, de possível irrealismo nos resultados projetados”. Marcelo diz que o referiu logo em abril. “Seis meses depois, o presente diploma, infelizmente, confirma esses riscos”.

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O programa Mais Habitação foi vetado, mas Marcelo Rebelo de Sousa promulgou, por outro lado, o diploma da Assembleia da República que autoriza o Governo a “simplificar, significativamente, os procedimentos urbanísticos e de ordenamento do território”. Mas mesmo assim com um recado.

“O Presidente da República não deixará de ter presente, na futura apreciação do Decreto-Lei autorizado, a necessidade de compatibilização entre a simplificação urbanística e outros valores a preservar, como é a segurança e qualidade das edificações, a responsabilização dos intervenientes no processo de construção e o importante papel da Administração Local em matéria de habitação e de ordenamento do território”.

O Presidente da República também diz esperar que o Governo aproveite para juntar “num único diploma” “toda a legislação dispersa (imensa e, em alguns casos, contraditória), eliminando contradições e normas obsoletas e melhorando a acessibilidade da legislação do setor, num passo fundamental para a desejável simplificação urbanística”. Recomenda, mesmo, que se possa fazer um Código da Edificação.

A carta na íntegra enviada pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa à Assembleia:

Palácio de Belém, 20 de agosto de 2023

A Sua Excelência
O Presidente da Assembleia da República,

Dirijo-me a Vossa Excelência nos termos do n.º 1 do Artigo 136.º da Constituição, transmitindo a presente mensagem à Assembleia da República sobre o Decreto n.º 81/XV, que aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas, nos seguintes termos:

1. A emergência da crise habitacional, que afeta, especialmente, jovens e famílias mais vulneráveis, mas começa a atingir as classes médias, bem como a necessidade do aumento da oferta de imóveis para habitação, levaram o Governo, há seis meses, a anunciar um ambicioso Programa Mais Habitação, logo após recriar um Ministério para a Habitação.

Esse Programa integrava significativas medidas de simplificação administrativa, acolhidas noutro diploma da Assembleia da República, que acabei de promulgar.

Mas, sobretudo, aparecia, aos olhos dos Portugueses, centrado em cinco ideias muito fortes:

1.ª – O arrendamento forçado de casas de privados, devolutas, aumentando a oferta de habitação;

2.ª – A limitação ao alojamento local, permitindo, por essa via, também, aumento da oferta de arrendamento acessível;

3.ª – O reforço do papel do Estado na oferta de mais casas, por si e em colaboração com cooperativas, alargando o citado arrendamento acessível;

4.ª – A disponibilização de estímulos públicos aos privados para fazerem aumentar a pretendida oferta;

5.ª – Medidas transitórias, entre as quais as limitações à subida das rendas, durante o período do arranque e consolidação do Programa.

Tudo visando introduzir no mercado da habitação um choque rápido, que acorresse à emergência, fosse visível até 2026 – termo da legislatura –e permitisse travar a vertiginosa subida do custo da habitação, enquanto se esperava que os juros do crédito imobiliário, que oneram um milhão e duzentos mil contratos, cessassem a sua asfixiante subida.

2. A apresentação do Programa Mais Habitação acabou por polarizar o debate em torno de dois temas centrais – o arrendamento forçado e o alojamento local. Os efeitos foram imediatos:

1.º – Apagou outras propostas e medidas e tornou muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação, fora e dentro da Assembleia da República.

2.º – Deu uma razão – justa ou injusta – para perplexidade e compasso de espera de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente.

3.º – Radicalizou posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada, atacada, de um lado, de estilo proclamatório, irrealista e, porventura, inconstitucional, por recair, em excesso, sobre a iniciativa privada, e, do outro, de insuficiência e timidez na intervenção do Estado.

Logo a 9 de março, me pronunciei sobre os riscos de discurso excessivamente otimista, de expetativas elevadas para o prazo, os meios e a máquina administrativa disponíveis e, portanto, de possível irrealismo nos resultados projetados.

3. Seis meses depois, o presente diploma, infelizmente, confirma esses riscos.

1.º – Salvo de forma limitada, e com fundos europeus, o Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção de habitação.

2.º – O apoio dado a cooperativas ou o uso de edifícios públicos devolutos, ou prédios privados adquiridos ou contratados para arrendamento acessível, implicam uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU.

3.º – O arrendamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável.

4.º – A igual complexidade do regime de alojamento local torna duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos.

5.º – O presente diploma, apesar das correções no arrendamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento.

6.º – Não se vislumbram novas medidas, de efeito imediato, de resposta ao sufoco de muitas famílias em face do peso dos aumentos nos juros e, em inúmeras situações, nas rendas.

7.º – Acordo de regime não existe e, sem mudança de percurso, porventura, não existirá até 2026.

4. Em termos simples, não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez.

É um exemplo de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente.

Sem óbvia recuperação política a curto prazo, apesar do labor colocado na junção de várias leis numa e de certas ideias positivas, diluídas pelo essencial das soluções encontradas.

Isto é, tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral.

Sei, e todos sabemos, que a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação acabada de votar.

Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos.

Nestes termos, devolvo, sem promulgação, o Decreto n.º 81/XV, que aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas.

O Presidente da República

Marcelo Rebelo de Sousa