O PS já tinha sinalizado que iria voltar a dar luz verde ao pacote Mais Habitação e assim o fez. A proposta do Governo regressou ao Parlamento depois do veto de Marcelo Rebelo de Sousa, e acabou aprovado pela maioria absoluta. Tal como da primeira vez, o PS votou sozinho. E, desta vez, o Presidente terá de o promulgar.

Apesar das críticas, e tal como na primeira votação, de julho, PAN e Livre abstiveram-se, tendo os restantes partidos votado contra. No debate de quinta-feira, os socialistas recusaram que a nova aprovação, a segunda, a um texto que não sofreu alterações, signifique um braço de ferro com Marcelo Rebelo de Sousa. “Temos de ter a convicção de que, numa democracia maturada, a convivência política entre os órgãos de soberania não é uma arma de arremesso ou de ataque político“, disse o deputado do PS Hugo Carvalho, depois de um grupo de manifestantes ter protestado nas galerias, gritando, quando o socialista se preparava para intervir no debate, “Casa para viver!” (o mote da manifestação que se realiza no dia 30 de setembro, organizada pelo movimento com o mesmo nome).

O deputado viria a responder-lhes: “O mote ‘Casa para Viver’ não podia encaixar mais neste debate. Não se trata de arrogância, de sobranceria, de falta de diálogo, como aqui foi dito. Trata-se de respeito institucional e político pelos mais basilares princípios democráticos”. A confirmação da votação acontece “não por capricho político, mas por convicção” e após o que diz ser uma “discussão alargada” e um “grande esforço de equilíbrio”.

Marcelo Rebelo de Sousa veta Mais Habitação. “Não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de habitação com eficácia e rapidez””

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Para o deputado, a reapreciação da proposta do Governo “em nada colide com a legitimidade de atuação dos diversos atores políticos”, como Marcelo Rebelo de Sousa, “nem pode ser um barómetro do que está certo e errado”. “A legitimidade” do Chefe de Estado “é igual à vontade de quem acredita, neste plenário, que este diploma é fundamental para melhorar a vida dos portugueses”, acrescentou. Nas galerias também estiveram proprietários de alojamento local que se têm manifestado contra o diploma, que prevê a suspensão do registo de novos alojamentos locais fora dos territórios de baixa densidade.

Mesmo do PAN e do Livre, que se abstiveram, houve críticas. Inês de Sousa Real, do PAN, abriu o debate para o apelidar como uma “curta-metragem do Governo das casas que não saem do papel” e o Mais Habitação como um “programa demasiado curto” para as dificuldades que existem. O partido tinha várias propostas que não foram acompanhadas pelos socialistas, como um regime de crédito bonificado e de isenção de IMT para os jovens ou incentivos fiscais aos senhorios que arrendem a custo acessível a estudantes.

Do Livre, Rui Tavares disse que, ouvindo o Governo e o PS, “a sensação é que é só preciso ir vendo e começando a fazer, quando o pior do tsunami da crise da habitação ainda está aí perante nós“. Sobre as medidas aprovadas esta quinta-feira pelo Governo para o crédito à habitação, considera que apenas “empurram com a barriga o problema“. E questiona: “Acham que 95% dos portugueses ficaram com taxa variável porque lhes apeteceu ou porque a banca os levou a que estivessem na dependência que hoje estão? Não é de pôr a banca a pagar por aquilo que fez?”

O PSD, pela deputada Márcia Passos, criticou que o Governo não se tenha feito representar — quando a deputada falava, o ministro das Finanças e a ministra da Habitação ainda falavam no briefing do Conselho de Ministros, onde o Governo aprovou medidas para quem tem crédito à habitação. Para a deputada social-democrata, o Mais Habitação “ficará na memória de todos pelas más razões“, incluindo por ter causado “alarme social” e levado, diz, à redução do investimento imobiliário. E critica que António Costa tenha falhado as metas de construção pública.

Da parte do Chega, André Ventura acusou o PS de ter mostrado uma “absoluta intransigência“. “A obsessão do PS com as maiorias e o rolo compressor de uma ditadura parlamentar obrigaram o Presidente da República a fazer uso do veto político para devolver ao Parlamento”, afirmou. Já Rui Rocha, da IL, deu uma sugestão a António Costa: se o primeiro-ministro decidir escrever um livro sobre o período atual de governo, pode chamar-lhe “A arte de rebentar o que restava no mercado de habitação“.

Bruno Dias, do PCP, por sua vez, considera que o Mais Habitação alimenta a “especulação imobiliária” e pede travões aos contratos de arrendamento novos e aos que já estão em vigor. Já Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, concorda que o programa do Governo “não resolve o problema“, sublinhando a subida das rendas e o facto de haver “estudantes a desistir do ensino superior” por não conseguirem pagar casa.

Seis meses de críticas, sete riscos e um veto. Porque é que Marcelo não acredita no Mais Habitação?

O Mais Habitação segue, assim, em frente, depois de Marcelo Rebelo de Sousa o ter devolvido à Assembleia da República, sem promulgação, a 21 de agosto. O veto foi acompanhado por um conjunto de explicações: para Marcelo, “não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez”, indicou, defendendo que o pacote é um exemplo “de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente“.

Apesar de admitir que o diploma foi corrigido no arrendamento forçado, “dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”. Para o Presidente, houve um “compasso de espera de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente”.

Aos jornalistas, Marcelo também defendeu que o diploma é “manifestamente insuficiente” e que só um consenso político alargado poderia “compensar” essas insuficiências, o que não aconteceu.

Porém, Marcelo Rebelo de Sousa também já sinalizou que o Mais Habitação não é “caso encerrado”: a regulamentação que o Governo fizer do decreto ainda terá de passar pelas suas mãos. “Há a segunda parte da história, esse diploma precisa de regulamentação e tem de vir às minhas mãos. Parece um caso encerrado, não é um caso encerrado“, avisou.