“Financiamento Local”, “Autonomia e Descentralização” e “Um país mais coeso” são os três grandes temas em debate no congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que constam num documento desenvolvido pelo conselho diretivo da ANMP que será debatido e votado no seu 26.º congresso que irá decorrer no sábado, no Seixal, no distrito de Setúbal.

Os municípios portugueses querem uma nova Lei das Finanças locais que descomplique o financiamento e defendem um reforço da capacidade financeira, nomeadamente através de uma maior participação nos impostos do Estado.

Uma das propostas da ANMP passa pelo aumento da participação dos municípios nos impostos do Estado de 19,5% para 25,3% da média da receita de IRS, IRC e IVA, relativamente ao penúltimo ano fiscal, repondo assim o valor que as autarquias recebiam antes da troika chegar a Portugal.

Esta é uma questão central que a ANMP tem vindo a defender há muito tempo, para que as câmaras possam ter a capacidade financeira que perderam e que lhes permita ter uma capacidade de resposta mais robusta àquilo que são as exigências crescentes no exercício da sua atividade”, disse à Lusa o vice-presidente da ANMP, Ribau Esteves, relator do documento.

No documento, que, no congresso, poderá ser alvo de propostas de alteração, a ANMP defende ainda a criação de duas novas fontes de receita, no quadro da atual Lei de Finanças Locais: uma participação de 10% anual da dotação do fundo ambiental e uma participação de 5% nas receitas do imposto sobre os produtos petrolíferos para a qualificação da rede viária.

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Os municípios estão a receber estradas nacionais que estão em más condições e, portanto, há uma necessidade de investimento nas estradas e obviamente que quem desgasta as estradas são os automóveis que andam com combustível”, explicou Ribau Esteves.

Ao nível da despesa, a ANMP defende uma “redução ou paragem no crescimento exponencial” da taxa de gestão de resíduos paga pelas autarquias e das tarifas de tratamento dos resíduos das empresas do grupo EGF, que trata e valoriza os resíduos em Portugal.

Segundo Ribau Esteves, os custos com a gestão de resíduos estão a tornar-se “insuportáveis” e a perspetiva, nos próximos anos, é de continuar esse “crescimento forte”.

O também presidente da Câmara de Aveiro referiu ainda que a ANMP está a trabalhar numa proposta de Lei de Finanças Locais para apresentar brevemente ao Governo, que ajude a “descomplicar o financiamento”, pois “são muitos fundos, e toda a estrutura de controlo dos fundos e mecanismos de reporte são complicadíssimos e altamente consumidores de horas de trabalho de funcionários, sem ganho nenhum de eficiência ou transparência”.

Portanto, é preciso uma nova Lei de Finanças Locais com mecanismos de financiamento simples, preferencialmente com um só fundo, e que obviamente fixe uma participação mais elevada das receitas dos municípios nos impostos do Estado”, concluiu Ribau Esteves.

O vice-presidente da ANMP referiu ainda que vão propor também a criação de uma entidade inspetiva exclusivamente dedicada às autarquias locais, para de uma forma “regular e intensa”, trabalhe as auditorias e inspeções às autarquias locais, dando como exemplo a IGAL — Inspeção Geral das Autarquias Locais que existia antes da troika.

 Estatuto fiscal para o interior do país debatido pelos municípios

Relativamente ao estatuto fiscal, é defendido que existem verdadeiros benefícios e incentivos fiscais que não “a pequena e pontual redução da taxa de IRC e de IRS”, preconizando-se um conjunto de propostas a aplicar a pessoas singulares e coletivas que comprovadamente fixem residência e exerçam atividade nos territórios de baixa densidade populacional.

Entre elas está um regime de IRS específico, semelhante ao que vem sendo aplicado aos residentes não habituais, para quem, residindo fora de Portugal, vá morar no interior.

Neste âmbito são ainda defendidos a dedução dos encargos sociais obrigatórios relativos à criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado, e o “aumento considerável e generalizado das deduções específicas em sede de IRS” das pessoas singulares que fixem a sua residência permanente e exerçam atividade por conta de outrem nestas zonas.

No documento é feita uma análise sobre o papel dos municípios na resposta à crise habitacional, com a referência de que o planeamento e a intervenção destas autarquias estão “altamente condicionados pela incerteza das disponibilidades financeiras para a sua execução”, uma vez que os poderes decisórios estão centralizados no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).

Não é, sequer, razoável, a secundarização do seu papel, por via da atribuição de tarefas de natureza eminentemente instrutória e administrativa, sem o concomitante poder decisório de quem verdadeiramente conhece a realidade e carências das suas populações”, lê-se no documento, que faz ainda referência à ausência de um parecer positivo da ANMP ao programa Mais Habitação.

Por outro lado, indica-se como inadiável a revisão do regime legal de compensação dos municípios pela instalação de centros eletroprodutores de energias renováveis nos seus concelhos, com uma solução consensual e abrangente, para todas as energias renováveis, que respeite o papel destas autarquias na gestão do território e que as compense, “justa e verdadeiramente, pelos grandes impactos negativos das infraestruturas, permitindo-lhes investir em projetos ambientais e em sustentabilidade e, assim, cumprir o objetivo da neutralidade carbónica”.

O documento temático aborda ainda a gestão dos sistemas de água, saneamento e resíduos, sendo preconizada a revisão da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR), que duplicou em 2022, de 11 para 22 euros por tonelada. Há uma previsão de chegar aos 35 euros em 2025.

Além de colocar, efetivamente, em risco a sustentabilidade financeira dos municípios e dos respetivos sistemas, mais afeta a própria capacidade financeira das famílias e das empresas, na medida em que tem vindo a obrigar a um significativo agravamento dos tarifários. A TGR tem de ser repensada”, lê-se.

Revogação da proposta de regime jurídico da urbanização levada a debate

A proposta de revisão do Regime Jurídico da urbanização e Edificação (RJUE) “desconsidera” os municípios na gestão urbanística e deve ser “revogada”, segundo os documentos que vão ser submetidos ao congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

A ANMP considera que o “caminho do legislador nunca poderia ter sido […], a pretexto da necessidade de simplificação destes processos, o de proceder a uma mera facilitação dos procedimentos”, impondo uma “aceleração forçada” com redução de prazos e deferimentos tácitos, que provocam um “afastamento dos municípios da decisão, deslocando-os para a fiscalização”.

É contraproducente, entre outras alterações, a drástica redução do controlo preventivo de operações urbanísticas, as excessivas limitações ao poder regulamentar dos municípios, o fim dos alvarás, a inadmissível aplicação de sanções financeiras aos municípios e a imponderada ausência de um regime transitório”, exemplifica o documento.

Vai também ser levada aos congressistas a chamada “via verde” das renováveis e o “desrespeito pelas competências municipais” criado pelo decreto-lei n.º 72/2022, de 19 de outubro, que “retira competências e margem de decisão aos municípios” no licenciamento de projetos de produção e armazenamento de energia e fontes renováveis até cerca de um hectare.

Este decreto-lei prevê “uma compensação curta e insuficiente para colmatar os fortes impactos nos territórios”, lê-se no documento, que apela para a sua revogação “com a maior urgência”.

O documento faz um balanço do trabalho realizado na descentralização de competências, aceite pela ANMP, mas durante o qual, devido a fatores como a complexidade do processo, o período pandémico, a inflação e ao subfinanciamento, “se constatou a necessidade de reavaliar e de rever algumas situações que se mostravam desadequadas com a realidade”.

A ANMP recorda que em 2022 e 2023 foi necessário proceder a “uma renegociação das matérias que maior impacto têm nos municípios” e isso levou à “celebração, entre o Governo e a ANMP, do Acordo Setorial de Compromisso para as áreas da educação e da saúde”, em julho de 2022, e para a área social, em janeiro de 2023.

A mesma fonte sublinhou, no entanto, que há um outro conjunto de domínios que devem ser objeto da descentralização, nos quais “há um caminho a percorrer” e que, em alguns casos, “carecem de tempo” para serem “efetivados com a qualidade que se pretende”.

A regionalização também é abordada no documento, com a ANMP a considerar que as “regiões administrativas são um mecanismo essencial para a reorganização territorial” e para a “implementação de políticas territoriais mais próximas dos cidadãos”.

A regionalização não é a panaceia para a resolução de todos os problemas, mas é um instrumento fundamental para a mudança que se preconiza, logrando-se um desenvolvimento mais equilibrado do território”, defende.