Os australianos rejeitaram este sábado uma reforma dos direitos dos aborígenes, submetida a referendo no final de uma campanha corrosiva que aprofundou as divisões raciais no país-continente.

Após a contagem de três quartos das mesas de voto do país, verificou-se que 55% dos eleitores tinham votado “não” ao texto que propunha reconhecer os aborígenes na Constituição como os habitantes originais do continente insular e dar-lhes uma voz em Camberra.

O projeto previa a criação de um conselho consultivo — apelidado de “A Voz” — junto do Parlamento e do Governo para aconselhamento sobre a legislação e as políticas públicas que afetam as populações aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres, com 984.000 pessoas, ou seja, 3,8% da população da Austrália.

“Os australianos votaram contra uma alteração da Constituição”, declarou o vice-primeiro-ministro, Richard Marles, na ABC, reconhecendo o fracasso do referendo.

Inicialmente com uma larga maioria, o campo favorável à alteração da Constituição de 1901 tem vindo a perder terreno nos últimos meses, nomeadamente devido à campanha levada a cabo pela oposição conservadora, liderada pelo antigo ministro da Defesa Peter Dutton. Para o campo conservador, a reforma constituía um remendo constitucional e teria conduzido a divisões na sociedade ao criar uma distinção na cidadania.

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“Este é um resultado difícil, um resultado muito difícil”, disse o diretor da campanha do Yes23, Dean Parkin. “Fizemos tudo o que podíamos e vamos voltar ao trabalho”, garantiu.

A campanha deu origem a uma avalanche de comentários racistas nos meios de comunicação social digitais. Foram também divulgadas informações falsas, incluindo alegações de que os títulos de propriedade poderiam ser contestados ou que teriam de ser pagas indemnizações se a reforma fosse aprovada. Para os apoiantes de “A Voz”, esta reforma tinha como objetivo ajudar a sarar as feridas ainda abertas de um passado de colonização e repressão racial.

Atualmente, mais de 200 anos após a colonização britânica, os indígenas australianos, cujos antepassados vivem no continente há pelo menos 60.000 anos, têm os mesmos direitos que os outros cidadãos, mas continuam a sofrer grandes desigualdades.

Karen Wyatt, 59 anos, uma apoiante do “sim”, disse antes da votação que se “A Voz” fosse rejeitada, seria “um dia de vergonha para a Austrália”. Dee Duchesne, 60 anos, que fez campanha pelo “não”, explicou que queria “evitar que se acrescentasse mais uma camada de burocracia” à Constituição. Confessou ter sido chamada de racista quando distribuía panfletos perto de uma assembleia de voto em Sydney. “Não sou racista”, afirmou.

O líder aborígene Thomas Mayo exprimiu a sua cólera contra aqueles que fizeram campanha a favor do “não”. “Mentiram aos australianos. Esta desonestidade não deve ser esquecida pelo povo australiano”, disse. E acrescentou: “Deveria haver repercussões para este tipo de comportamento na nossa democracia, não deveriam poder sair impunes”.

O voto era obrigatório para os 17,5 milhões de eleitores da Austrália.

Para ser adotada, a reforma precisava de uma maioria de votos a nível nacional, mas também em pelo menos quatro dos seis estados do país. Não obteve nem um nem outro.