O presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) questionou esta quinta-feira a necessidade de abrir a todos os cidadãos a possibilidade de recorrer ao Tribunal Constitucional, recordando exemplos internacionais em que isso contribuiu para aumentar a pendência processual.

No discurso de abertura do XVII Encontro Anual do CSM, que decorre entre quinta-feira e sexta-feira na Covilhã, o juiz conselheiro Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e, por inerência, do CSM, lembrou que o processo de revisão constitucional em curso discutiu, há alguns meses, a possibilidade de se introduzir no sistema português o “recurso de amparo constitucional de decisão judicial de última instância, nas hipóteses em que seja invocada a violação de direitos, liberdades e garantias e quando esteja em causa uma questão que se revista, pela sua relevância jurídica ou social, de importância fundamental”.

Deverá refletir-se muito maduramente sobre essa possibilidade, mas só depois de se averiguar da sua indispensabilidade para a salvaguarda efetiva dos direitos, liberdades e garantias”, defendeu.

Henrique Araújo lembrou que as questões de constitucionalidade podem ser invocadas ao longo de todo o processo judicial, desde a primeira instância, e recordou que é possível recorrer, em última instância, ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e que existem “vias indiretas de acesso à jurisdição constitucional”, como o direito de petição e o recurso ao Provedor de Justiça.

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Será isto suficiente? Será que a introdução de mais uma modalidade no nosso modelo recursório não vai implicar uma sobrecarga do sistema e contribuir para uma Justiça mais lenta? São assim tantos os casos em que são detetáveis violações de direitos fundamentais nas decisões dos tribunais?”, questionou o presidente do CSM.

A este propósito evocou o caso de Cabo Verde, com ordenamento jurídico semelhante ao português, e que instituiu o recurso de amparo no seu sistema, tendo como consequência o aumento da pendência processual e do tempo médio de duração dos processos.

Tudo devido ao efeito suspensivo fixado ao recurso de amparo, circunstância que, como é natural, estimulou a procura desse expediente processual, ao ponto de hoje se falar de uma verdadeira ‘indústria do amparo’, com efeitos perversos no regular funcionamento do sistema judicial desse país”, disse.

Acrescentou ainda que, há dois dias, a ministra da Justiça de Cabo Verde anunciou “medidas de desjudicialização, retirando algumas ações dos tribunais para combater a morosidade processual e a elevada pendência”.

Para o juiz conselheiro, o ordenamento jurídico português “contém as soluções necessárias, que nunca serão as ideais, para a defesa dos direitos fundamentais”, mas defendeu que os tribunais precisam também de “condições para efetivar essa tutela”, matéria sobre a qual “muito haveria a dizer”.

Apesar das dificuldades que os tribunais enfrentam, sobretudo em recursos humanos, Henrique Araújo acredita que estes “têm dado resposta pronta e competente” e entende que isso continuará a suceder.

Mas, para que assim aconteça, é essencial que os decisores políticos passem do estado contemplativo à ação, assegurando as condições de exercício de magistrados e funcionários”, afirmou a encerrar a sua intervenção, ouvida também pela ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, que marcou presença na sessão de abertura do encontro.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) inicia esta quinta-feira o seu encontro anual, dedicado aos “Tribunais e Direitos Fundamentais”, discutindo ao longo de dois dias, na Covilhã, temas como refugiados, asilo, proteção de dados ou ambiente.

O XVII Encontro Anual do CSM, que junta cerca de 270 participantes, decorre esta quinta-feira e sexta-feira no Teatro Municipal da cidade.