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Nós, Matthew Perry e tudo o que aprendemos com Chandler Bing

Este artigo tem mais de 6 meses

O engraçadinho, o sarcástico, o desconfortável, o auto-depreciativo, o coração instável. Para muitos, era mesmo o melhor dos "Friends". Morreu Matthew Perry, mas não morreu Chandler.

É impossível imaginar outro ator no papel de Chandler Muriel Bing, tal como é quase desconfortável ver Matthew Perry vestindo outras personagens
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É impossível imaginar outro ator no papel de Chandler Muriel Bing, tal como é quase desconfortável ver Matthew Perry vestindo outras personagens

É impossível imaginar outro ator no papel de Chandler Muriel Bing, tal como é quase desconfortável ver Matthew Perry vestindo outras personagens

É frequente os atores de séries televisivas icónicas ficarem indelevelmente ligados à sua personagem, tanto aos olhos do público como dos produtores cinematográficos quando tentam prosseguir a sua carreira, mas poucos ficarão tão intimamente colados como Matthew Perry e o seu Chandler Bing de Friends. Ainda que o ator até tenha sido nomeado ao Emmy em três outros momentos (duas vezes para Melhor Ator Convidado em The West Wing e outra para Melhor Ator em Mini-série ou Telefilme por The Ron Clark Story) é impossível olhar para a sua cara sem associar imediatamente a Chandler.

O ano era 1994, os Estados Unidos recebiam pela primeira vez o Campeonato do Mundo de Futebol e os cinemas apresentavam como opções clássicos como Pulp Fiction, Os Condenados de Shawshank, O Rei Leão, Forrest Gump ou Speed. Era um tempo mais simples. Nesse setembro, a NBC estreava no bloco de programação que já incluía o sucesso de Seinfeld (e do sub-apreciado Mad About You) uma nova sitcom sobre um grupo de seis amigos a viver em Nova York. Ross, Rachel, Monica, Joey, Phoebe e Chandler tornaram-se rapidamente nomes obrigatórios no panorama da história da cultura pop a nível mundial.

[10 momentos “inesquecíveis” da personagem Chandler Bing na série “Friends”:]

A chave do sucesso estava no que Friends, brilhantemente simples logo no título, conseguiu fazer melhor que qualquer outra série antes ou depois: ser profundamente relacionável. Das relações amorosas às adversidades no trabalho, todos nos revemos nas situações apresentadas no ecrã e encontramos similaridades com as personalidades dos seus protagonistas. Ainda hoje, pessoas que nem eram nascidas quando a série dominava as audiências a descobrem nos serviços de streaming, fazendo-a chegar a toda uma nova geração que se consegue identificar com um mundo pré-smartphones e internet ubíqua. Não é por acaso que a Netflix pagou 100 milhões de dólares à Warner no seu último ano de contrato que eventualmente passou para a HBO Max a um custo de 425 milhões por cinco anos.

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Morreu Matthew Perry, o ator que interpretou “Chandler” na série “Friends”. Tinha 54 anos

Já perdi a conta (na verdade nunca a comecei, mas vocês percebem a expressão) às vezes que alguém me perguntou “qual dos Friends eu era”, a última das quais ainda há poucas semanas. E se ninguém é exatamente igual a nenhum deles, todos temos características e traços de personalidade mais próximos de algum. No meu caso, sempre fui – dos doze anos com que comecei a ver, mais novo do que as personagens até hoje, já mais velho que eles — mais Chandler do que qualquer um dos outros. Numa votação no site Ranker, que se dedica a ordenar por popularidade coisas que ninguém pediu, mais de dezoito mil pessoas  com acesso à internet e algum tempo livre a mais escolheram Chandler como a melhor personagem da série. Vale o que vale, mas não deixa de ser interessante tendo em conta que será provavelmente o membro do grupo com maior evolução pessoal entre o primeiro episódio e o último, dez anos e 235 meias-horas televisivas depois.

Os protagonistas da série "Friends", na reunião para o especial da HBO em 2021

DR

Numa série de comédia em que todos têm piada à sua maneira, Chandler sempre foi apelidado de “o engraçadinho” da grupeta pelo seu sentido de humor e por praticamente ter ensinado o significado (e utilização prática) de sarcasmo a toda uma geração de espetadores. Nas palavras do próprio: “Olá, sou o Chandler e faço piadas quando estou desconfortável”, uma das citações que melhor o define. Como fica claro logo na primeira temporada, usa o seu sentido de humor como escudo e mecanismo de defesa, uma estratégia psicológica que atribui ao choque do divórcio dos seus pais ainda em criança (em pleno Dia de Ação de Graças, uma data festiva que passa então a boicotar tornando-se uma tradição anual). Mas se Chandler frequentemente goza com amigos, colegas e desconhecidos, o seu maior alvo acaba por ser o próprio, como se vê nos constantes comentários auto-depreciativos que faz — “Eu digo mais coisas estúpidas antes das 9 da manhã do que a maioria das pessoas diz o dia todo”.

Uma das piadas recorrentes de Friends tem a ver com o emprego de Chandler e com o facto de nenhum dos seus mais próximos amigos na vida parecerem saber exatamente o que este faz das nove às cinco. Oficialmente apresentado como trabalhando em “análise estatística e reconfiguração de dados”, sabemos que odeia o seu cargo mas que parece ganhar bem o suficiente para compensar essa miséria profissional. No mítico episódio em que Chandler e Joey apostam o apartamento com Monica e Rachel num desafio de conhecimento mútuo do grupo, a pergunta “Qual é o emprego de Chandler?” causa total silêncio e hesitação até Rachel arriscar “Ele é…um… transpondster !” com uma desesperada Monica a retorquir, com razão, que isso nem sequer é uma palavra. O que quer que seja o trabalho em si, Chandler aborrece-se o suficiente para adormecer numa reunião que o leva a aceitar inadvertidamente mudar-se para Tulsa para liderar o escritório local no Oklahoma. Eventualmente, na nona temporada, decide colocar em risco o seu conforto financeiro para mudar de vida e começar como estagiário numa agência de publicidade, em busca de uma carreira onde a sua criatividade possa, finalmente, ser bem empregue.

[o sarcasmo de “Friends”:]

Mas é nas suas relações amorosas que vemos o melhor (e o pior) do nosso Bing. Eternamente apavorado com a ideia de compromisso, Chandler passa as primeiras temporadas entre dates falhados, one night stands e a sua rocambolesca relação com Janice, a namorada com a voz e o riso mais irritantes da história da televisão e com quem acaba e retorna um sem número de vezes, chegando a simular uma emigração para o Iémen para se livrar dela. No entanto, a sua tal evolução enquanto personagem é sobretudo notória quando se envolve com Monica após uma noite juntos em Londres no casamento de Ross. O que parecia ser só diversão sem consequências rapidamente se torna uma relação séria com a sua melhor amiga, eventualmente casando e, mesmo no final da última temporada, começando uma família juntos. A última fala de toda a série é sua, uma piada, pois claro – quando Rachel sugere ao grupo irem beber um café na sequência de vários momentos emocionais, Chandler responde apenas “Claro. Onde?”

“O mundo nunca esquecerá a alegria que trouxeste”: amigos de Matthew Perry despedem-se e fãs deixam flores no apartamento de “Friends”

É impossível imaginar outro ator no papel de Chandler Muriel Bing, tal como é quase desconfortável ver Matthew Perry vestindo outras personagens. Mesmo a sua longa e complicada batalha com o álcool e as drogas, evidentes visualmente nas extremas flutuações de peso e aparência sobretudo nas temporadas do meio (e que Perry chegou a admitir em entrevistas ter sido tal que não tinha qualquer memória de alguns anos de Friends) não retiraram o brilho a uma interpretação genial, no raro alinhamento perfeito de texto, personagem e ator.

Estar numa festa com cerca de uma centena de pessoas ao saber a notícia da sua morte e testemunhar diferentes grupos de amigos a descobrirem aos poucos, uns em surpresa, outros em choque, é uma experiência sociológica que não gostaria de repetir. No dia seguinte, a escala das manifestações nas redes sociais foi nunca antes vista, pelo menos na minha bolha pessoal de ligações. Para muita gente que cresceu com aquele grupo de amigos ficcionais, será possivelmente a morte de um artista mais impactante das suas vidas até agora.

Perdemos Matthew Perry, mas nunca perderemos Chandler Bing.

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