Uma corrida, as últimas 27 voltas, um título. Ao contrário do que aconteceu no Moto2 (Pedro Acosta) e no Moto3 (Jaume Masiá), o Campeonato do Mundo de MotoGP voltava a guardar todas as decisões para aquela que seria a derradeira corrida do ano na Comunidade Valenciana após sete provas realizadas fora da Europa entre Índia, Japão, Indonésia, Austrália, Tailândia, Malásia e Qatar. E se até ao arrepiante acidente sofrido na Catalunha tudo apontava para que imperasse a lei do mais forte até ao final com Pecco Bagnaia a chegar à revalidação do título, o espanhol Jorge Martín conseguiu colocar-se na luta e deixar tudo em aberto até ao fim. Aliás, a diferença só não era mais “apertada” pelo que se passou no último Grande Prémio do Qatar.

Miguel Oliveira não vai ser operado, mas deve falhar a última corrida da época e regressar às pistas apenas em 2024

“É difícil de entender, parece que desaprendi a pilotar. Acho que deu para ver logo no arranque, quando o pneu traseiro começou a patinar, era quase como uma pedra. Normalmente isto acontece quando a pista está suja. Não era o caso, porque estávamos na grelha e só acontece quando o pneu tem umas 30 voltas, o que também não era o caso. Por isso é fácil perceberem o que aconteceu. A partir desse momento tentei gerir um pouco, mas sentia que ia cair a cada curva. É pena que um campeonato assim, depois de uma época fantástica, a trabalhar no duro. Sinto que eles me roubaram porque acho que podia ganhar. Agora é difícil. Mas, bem, acho que é difícil perceber ao certo o que se passou”, apontou o piloto da Pramac Racing.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Cozinha, gosta de autobiografias e tem Rossi como ídolo: Pecco Bagnaia, o sogno italiano 50 anos depois de Agostini

“Acho que nem eles sabem o que aconteceu. Acredito que não queiram decidir um campeonato, querem ser competitivos. Acho, espero que seja isso, que querem dar-nos as mesmas condições. Mas perdi 1,5 segundos de ritmo. Acho que não me esqueci de como se pilota e que eles têm de melhorar e analisar, de forma a não acontecer de novo. Espero poder lutar por um título no futuro mas sinto que foi uma grande perda, pois é muito difícil agora”, acrescentou ainda, quase deitando a toalha ao chão mas mantendo ainda aquela secreta esperança de que os 14 pontos perdidos aí poderiam ser recuperados em território espanhol. Logo na corrida sprint, ficou o primeiro sinal de que havia ainda possibilidades. E se em termos matemáticos podia terminar tudo ali, na prática Martín reduziu a distância para 14 pontos e adiou a decisão para domingo.

Bagnaia que se prepare para uma luta até ao fim: Jorge Martín vence sprint em Valência e adia decisão do título

Partindo da primeira posição da grelha após o castigo a Maverick Viñales e com Jorge Martín em sexto tendo nos lugares até si o companheiro Johann Zarco e as duas KTM de Jack Miller e Brad Binder, Pecco Bagnaia tinha sobretudo um roteiro para ser bicampeão mundial de MotoGP: terminar entre os cinco primeiros; fazer top 10 desde que Martín não ganhasse a corrida; acabar até ao 14.º lugar caso o espanhol não ficasse entre as duas primeiras posições. À partida, mesmo com a pressão do piloto da Pramac Racing, tinha o título na mão. No entanto, e como se viu tantas vezes esta temporada, tudo podia acontecer. Uma trajetória mal calculada, um erro de outro piloto que chegasse a quem estivesse por perto, uma curva com uma travagem mais tardia. Ainda antes do final, fez a festa. E o bicampeonato chegou de forma natural antes do tempo.

Mais emoção a partir da primeira volta era complicado: Pecco Bagnaia ganhou a dianteira escolhendo uma melhor trajetória de saída, as KTM voltaram a ter um arranque canhão mas Jorge Martín não ficou em nada atrás, chegando ao segundo posto atrás do transalpino com Maverick Viñales afundado na sexta posição. No entanto, a terceira volta acabou por trazer quase um fim anunciado do último capítulo do Mundial: Martín forçou em demasia para passar para a frente na curva 1, teve um problema que o obrigou a alargar mais e acabou por descer à oitava posição. Bagnaia não estava com um ritmo capaz de descolar das KTM mas sabia que tinha agora (ainda mais) todas as condições para sair de Valência com o título.

Jorge Martín tinha começado a remontada para pelo menos lutar pela vitória na última corrida mas quando tentava subir do sétimo lugar voltou a cometer um erro fatal com uma travagem tardia que deu um toque em Marc Márquez (o antigo campeão que fazia a despedida da Honda teve uma queda assustadora e foi depois transportado para o centro médico) e acabou a corrida de ambos. O espanhol tinha referido antes que “era cair ou vencer” em Valência e confirmou essa ideia da pior forma, chegando em lágrimas às boxes ciente de que acabou por ser traído pela pressão de tudo o que estava em causa. Pecco Bagnaia começou a festa.

“Martín out, Martín out”, avisou a Ducati pela rádio numa comunicação que carimbou o segundo título consecutivo no MotoGP, algo que não acontecia desde Marc Márquez. Estava iniciado o desfile de glória, sendo que essa descompressão fez com que as duas KTM passassem para a frente com Binder a liderar e Jack Miller em segundo. Aliás, a própria transmissão estava mais focada no que se passava fora das pistas do que propriamente na corrida, sendo que a meio da prova Binder teve uma saída mais larga que o colocou em sexto, estendendo a passadeira para Jack Miller fazer história como o primeiro piloto em MotoGP a ganhar corridas por três construtores diferentes (Honda, Ducati e KTM). Não aconteceu, com o australiano a cair com tudo na mão. E a vitória acabou a ser discutida por Bagnaia, Zarco e o surpreendente Di Giannantonio, com o bicampeão mundial a fechar o ano de 2023 com chave de ouro segurando a primeira posição até final.