A Polícia Judiciária (PJ) realizou buscas esta terça-feira em nove locais de Lisboa e de Viseu, incluindo as instalações do Instituto Português do Desporto e da Juventude, da Cruz Vermelha Portuguesa, do Centro Hospitalar Tondela-Viseu e do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge — num processo que visa, sabe o Observador, o ex-secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo.
O antigo governante apresentou-se esta tarde na sede nacional da PJ, em Lisboa — uma informação revelada pelo próprio à Rádio Renascença. João Paulo Rebelo encontrava-se em Espanha e, após ter sido contactado por ser um dos alvos dos nove mandados de busca domiciliária e não domiciliária cumpridas durante esta terça-feira, disponibilizou-se para voltar a Lisboa.
Ao que o Observador apurou, João Paulo Rebelo prestou esclarecimentos aos investigadores da PJ que têm a seu cargo os autos da Operação “Arrangements”, mas não foi constituído arguido.
Tal diligência processual só será efetuada após os investigadores analisarem toda a documentação que foi carreada para os autos durante as buscas desta terça-feira.
Contratos de 900 mil euros terão sido assinados antes da autorização do INSA
A PJ investiga nos autos da Operação “Arrangements” a suspeita da prática de crimes de participação económica em negócio e abuso de poder “factos suscetíveis de constituir crimes de participação económica em negócio e de abuso de poderes, por titular de cargo político”, lê-se no comunicado.
O titular de cargo político em causa é João Paulo Rebelo e está em causa a sua alegada intervenção enquanto governante na assinatura de um protocolo com o Hospital da Cruz Vermelha e o Centro Hospitalar Tondela-Viseu para a realização de análises de testes do vírus SARS-COV-2 que levou à adjudicação de vários contratos públicos que ascenderão a cerca de 900 mil euros com um laboratório que pertence a um ex-sócio do ex-secretário de Estado da Juventude e do Desporto.
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João Paulo Rebelo foi um dos cinco secretários de Estado que foram nomeados pelo Governo para coordenar a aplicação do estado de emergência durante o período da pandemia. Em maio de 2020, o Jornal de Notícias noticiou que teria alegadamente pedido ao então presidente da Câmara de Viseu para contratar o laboratório ALS — que pertence a João Cotta, seu ex-sócio. Em comunicado emitido ao final do dia, a ALS – Life Sciences Portugal admitiu que a PJ esteve nas suas instalações de Tondela e que seus colaboradores “prestaram todos os esclarecimentos solicitados”.
Ao que o Observador apurou, o facto de os contratos públicos sob suspeita terem sido assinados antes de o Governo ter tido a autorização do INSA – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, para a metodologia que deveria ser seguida pelo laboratório contratado é um dos indícios de alegado favorecimento que está sob investigação.
Novo secretário de Estado da Juventude criticado pelo Ministério Público por “imprudência na gestão”
João Paulo Rebelo admitiu posteriormente ter feito a sugestão durante uma videoconferência com os presidentes de câmara da Comunidade Intermunicipal Viseu-Dão-Lafões, por saber que “a empresa ALS tinha capacidade para realizar mais 200 testes diários”.
O antigo governante defendeu, ainda assim, que não o fez por qualquer “interesse económico” e sustentou até que recebeu com “enorme estupefação” a ideia de que pudesse ter tido “algum interesse próprio nesta associação que não fosse o de que – também na CIM Viseu Dão Lafões – se pudesse dar uma resposta eficaz a um problema que afligia, e aflige, todo o país”.
Outra situação em investigação prende-se com a usurpação de funções por parte alguém que se terá feito passar por engenheiro, tendo trabalhado para o Instituto Português do Desporto e da Juventude na execução do “Projeto PRID – Programa de Reabilitação de Infraestruturas Desportivas”.
Em dois comunicados, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a PJ revelaram igualmente que participaram nas buscas 60 investigadores criminais e especialistas de Polícia Científica da Polícia Judiciária, 5 magistrados do Ministério Público, 2 juízes de Instrução Criminal, 5 peritos do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da PGR e 2 representantes da Ordem dos Médicos. “A Polícia Judiciária, no presente inquérito dirigido pelo DCIAP, prosseguirá a investigação com a realização subsequente da análise à prova agora recolhida, de natureza documental e digital, visando o apuramento integral de todas as condutas criminosas, o seu cabal alcance e, bem assim, a sua célere conclusão”, lê-se ainda.