Hirayama, o protagonista de Dias Perfeitos, o novo filme de Wim Wenders, é um homem de meia-idade que limpa sanitários públicos em Tóquio. Todas as manhãs, depois de regar as suas plantas e tomar café, Hirayama pega no equipamento, mete-se numa camioneta e faz a sua ronda, limpando tudo com uma meticulosidade e um brio profissional exemplares (basta olhar para o seu mais jovem e apatetado colega para ver a diferença). A sua vida é feita de uma rotina cumprida sem o menor desvio. Almoça uma sandes no mesmo banco do mesmo jardim, fotografa árvores com a sua máquina portátil, lava-se nos mesmos banhos públicos, janta no mesmo modesto restaurante de bairro, lê sempre antes de ir dormir.

[Veja o “trailer” de “Dias Perfeitos”:]

Interpretado por Kôji Yakusho, vencedor do prémio de Melhor Ator no Festival de Cannes, Hirayama é também uma personagem associada ao passado e à era analógica por Wim Wenders. Lê autores clássicos em livro, não tem computador ou televisão nem anda nas redes sociais, ouve rock antigo em cassetes, fotografa em película e manda revelar os rolos numa lojazinha do bairro. E tira o máximo de satisfação de todos estes prazeres simples, parecendo estar completamente satisfeito e realizado com a sua existência rotineira, sossegada e frugal, sem desejar um emprego melhor onde ganhe mais dinheiro, uma casa maior, um carro em vez da sua bicicleta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não há mal nenhum em fazer o elogio dos pequenos prazeres e das alegrias simples da vida, com sinceridade ou verosimilhança. Nem de uma existência vivida segundo os preceitos do “small is beautiful”, em que se prescinde de tudo o que é um dado adquirido para o cidadão ou a família média, como eletrodomésticos sofisticados e novidades ou modas tecnológicas, preferindo o que é considerado anacrónico, e se reduz a sociabilidade a um mínimo, como faz Wim Wenders em “Dias Perfeitos” através do corretíssimo e lacónico Hirayama (que só começará a falar mais com o aparecimento súbito de uma sobrinha, e depois da irmã, altura em que o filme nos sugerirá também porque é que este homem obviamente educado, sensível e culto escolheu viver como vive).

[Veja uma sequência do filme:]

O problema com Dias Perfeitos, além de tudo nele ser óbvio, claro, certinho, para que percebamos bem o que o realizador quer dizer, está no facto de, além de Wim Wenders idealizar – ou ingenuamente, ou de forma calculista, em nome da “mensagem” que quer passar — a existência dos trabalhadores anónimos e com ofícios ingratos como Hirayama, ter também uma atitude condescendente para com eles. É a mesma atitude do sujeito bem instalado na vida, que todos os dias, ao sair do seu condomínio, congratula a empregada da limpeza do prédio por estar satisfeita com a sua condição e não ter mais ambições, e saber o que é o mundo real e as suas agruras – ao contrário dos artistas privilegiados como Wim Wenders.

“Dias Perfeitos” é pouco mais do que uma pose — bem estudada e construída, conceda-se. A palavra “fake”, tão usada e abusada nos dias que correm, serve-lhe como uma luva. É um filme tão fingido como paternalista e reacionário. E isto vindo de um cineasta que se apresenta como “progressista”.