A receção do Fulham ao Burnley não era propriamente o encontro cartaz de uma 18.ª jornada da Premier League antes do Natal e do Boxing Day que tinha um Liverpool-Arsenal, um West Ham-Manchester United, um Tottenham-Everton ou um Wolverhampton-Chelsea (neste caso jogado à hora de almoço da véspera de Natal) mas ficaria na história como o primeiro jogo de sempre do principal escalão de futebol inglês a ser arbitrado por uma mulher. Era sobretudo por isso, num momento marcante para aquela que é considerada a melhor da atualidade no país que coincidia com o duelo entre uma das equipas em maior fase de crescimento e o último classificado do Campeonato já a seis pontos dos lugares de permanência.

A antiga administradora de saúde que vai quebrar mais uma barreira: Rebecca Welch, a primeira mulher a arbitrar na Premier League

Olhando para trás, o caminho de Rebecca Welch não parecia apontar para um apogeu de carreira tão alto. Aliás, só mesmo aos 27 anos arbitrou pela primeira vez um jogo. Em 2019, a árbitra tomou o passo definitivo para a ascensão, deixando de vez o trabalho no Serviço Nacional de Saúde (NHS) na parte administrativa para se dedicar a 100% à arbitragem. A partir daí, fez história passo a passo: foi a primeira a dirigir um encontro do Championship em 2021, a primeira a arbitrar uma partida da Taça de Inglaterra em 2022 e, já este ano, a primeira a ser nomeada para quarto elemento da equipa do Fulham-Manchester United para a Premier. Também em 2023, Welch esteve no Campeonato do Mundo feminino, fazendo três jogos incluindo um dos oitavos mas não passando às fases seguintes pelo sucesso desportivo da formação inglesa, e dirigiu encontros da Liga dos Campeões como a receção do Benfica ao Eintracht Frankfurt no Estádio da Luz.

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Nem tudo foi fácil no caminho da árbitra de 40 anos, como se percebeu também no último mês: durante um encontro entre Birmingham e Sheffield Wednesday, Rebecca Welch foi alvo de cânticos misóginos que levaram a que dois rapazes de 17 anos fossem detidos. “Joguei futebol e nunca pensei sequer em ser um dia parte da equipa de arbitragem até que uma das minhas melhores amigas, que era árbitra, falou nisso. Passei o jogo a perguntar como deveria fazer o trabalho dela e ela respondeu-me ‘Se pensas que é assim tão fácil, vem tu fazer’. Fui mesmo e cheguei onde cheguei”, apontou numa entrevista ao The Independent. “Tive um longo percurso de trabalho e compromisso ao longo de dez anos e consegui a recompensa disso mesmo. Nunca olhei para mim como uma trailblazer [pioneira] até ao último ano, quando comecei a aceitar que era importante servir de exemplo para outras pessoas que podem estar numa posição igual ou parecida. As mulheres podem continuar a subir degraus em várias áreas”, salientou no início do ano ao The Guardian.

“Nunca senti que fosse um problema ser mulher quando arbitro em jogos de homens. Aliás, na realidade, se calhar até sou tratada com um pouco mais de respeito nestes jogos por ser mulher. Para mim, ser árbitra nunca foi algo problemático porque nunca ninguém teve expressões incorretas diretamente contra mim e todo o feedback que fui recebendo foi positivo, até mesmo nas redes sociais”, acrescentou. Dentro de um dia que seria sempre especial, onde esteve no centro de todos os holofotes, o grande elogio foi mesmo o facto de só ter sido notícia antes e depois de um encontro onde o Fulham foi surpreendido em casa.

Os tímidos sorrisos e as curtas conversas com alguns jogadores antes do apito inicial, como aconteceu com o avançado Lyle Foster, foram quase o último momento de maior destaque para tudo se focar no jogo. Aliás, esse é o maior elogio que se pode fazer à prestação de Rebecca Welch, que assinalou a primeira falta apenas aos 23′ num total de oito durante todo o primeiro tempo com um cartão amarelo. Sobre a partida, apesar da boa entrada do Burnley, só houve Fulham: Harry Wilson obrigou James Trafford à primeira defesa mais apertada para canto num remate cruzado na área (13′), João Palhinha também atirou forte na sequência de um lançamento para nova intervenção do jovem guarda-redes (14′), Alex Iwobi e Rodrigo Muniz dispararam forte mas às malhas laterais (15′ e 35′). A ideia do “jogo histórico” acabou na sequência de pontapé inicial, tendo em conta a forma sóbria e a “deixar jogar” com que Welch foi dirigindo todos os acontecimentos, até um possível lance de grande penalidade nos descontos em que aguardou para saber o veredicto do VAR.

Faltavam apenas os golos para ser uma tarde em cheio mas o arranque do segundo tempo desfez esse tabu, com o Burnley a quebrar um nulo numa saída rápida que teve Wilson Odobert a inaugurar o marcador (47′). Welch foi mantendo a atuação sóbria mas discreta, com mais um amarelo a João Palhinha pelo meio quando travou uma transição dos visitantes que poderia levar perigo e outro a Jordan Beyer por ter pontapeado a bola para longe antes de um livre para o Fulham, e a história do encontro foi ganhando outros contornos, com Sander Berge a avançar pelo corredor central, a ter espaço para a meia distância e a fazer o 2-0 quando Marco Silva tinha acabado de mexer na equipa (66′). Apesar das muitas tentativas que foram encontrando uma parede à frente da baliza contrária, os visitados já não conseguiram evitar a derrota caseira.