2023 foi um ano agridoce para o futebol italiano. Inter Milão, Roma e Fiorentina chegaram às três finais europeias, ainda que a Liga dos Campeões tenha ido para o Manchester City, a Liga Europa para o Sevilha e a Liga Conferência para o West Ham. Dois anos depois de conquistar o Euro 2020 e meses após falhar o apuramento para o Mundial do Qatar, Itália mantinha-se numa ótica de montanha-russa com altos muito altos e baixos muito baixos — e assim continua.

Os últimos dias do ano trouxeram a notícia de que o governo italiano liderado por Giorgia Meloni decidiu extinguir o Decreto Crescita, a lei que permitia uma redução de 50% nos impostos sobre os salários dos jogadores contratados no estrangeiro. Também conhecida como “lei Beckham” — por ter sido implementada em Espanha em 2003, quando o inglês trocou o Manchester United em Real Madrid –, a medida diminuía a despesa dos clubes, aumentava o interesse dos jogadores a atuar no estrangeiro na Serie A e facilitava a atração de talento de alto nível nas principais ligas europeias.

Num Conselho de Ministros que a imprensa italiana descreveu como “muito tenso”, porém, a “lei Beckham” acabou. O vice-primeiro-ministro Matteo Salvini terá sido um dos principais defensores do fim da medida, considerando que prolongá-la seria “imoral” e recordando que esta é a maneira de ajudar e reconhecer a formação dos clubes italianos, colhendo também o apoio da Associação de Futebolistas Italianos, que indica que a lei era uma “discriminação” em relação aos jogadores italianos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda assim, e como seria de esperar, os clubes italianos não estão a favor do fim do benefício — até porque o corte de despesas com impostos era substancial. A lei aplicava-se a todos os jogadores que chegavam a Itália depois de passarem dois ou mais anos a trabalhar noutro país, sendo que só incluía os atletas que assinavam contrato por dois ou mais anos com um clube italiano. Se renovassem, o benefício mantinha-se: só na passada temporada, os clubes italianos terão poupado algo como 140 milhões de euros em impostos.

Um dos principais críticos do fim da lei tem sido Giorgio Furlani, o CEO do AC Milan, que recordou que os clubes terão de repensar a abordagem ao mercado já durante a atual janela de transferências. “Só em Itália é que se consegue mudar uma lei como esta da noite para o dia e sem que exista uma reunião ou uma discussão com os diretamente envolvidos, como os clubes. É a destruição do futebol italiano”, atirou, recebendo apoio do outro clube de Milão, o Inter.

“Isto não é só sobre os jogadores, também afeta os treinadores, como José Mourinho. Se hoje quiséssemos trazer de volta o De Zerbi não conseguíamos, porque sem esta lei não conseguimos competir com o que ganham na Premier League. É um golo na própria baliza. Vai mudar a estratégia dos clubes, teremos um empobrecimento ao nível de qualidade”, explicou Giuseppe Marotta, o CEO do Inter, sublinhando que a contratação de Cristiano Ronaldo pela Juventus em 2018 foi o primeiro grande movimento a ser amparado por esta lei.

“Juventus, AC Milan e Roma estão destruídos sem esta lei. Não é bom porque o Estado não coleta o dinheiro. É sempre melhor ter um estrangeiro que paga impostos em Itália do que alguém e não vem e não chega a pagá-los, não?”, defendeu Claudio Lotito, o dono da Lazio que apoia o governo liderado por Giorgia Meloni, mas está contra a decisão tomada nos últimos dias do ano passado.

Com o fim da lei, a situação fiscal dos jogadores contratados no último verão, que ainda não cumpriram dois anos a trabalhar em Itália, também irá alterar-se — casos de Pulisic e Loftus-Cheek no AC Milan, Pavard e Marcus Thuram no Inter Milão ou Aouar e Ndicka na Roma.