Bom Kim, fundador e CEO da Coupang, acredita que o negócio com a Farfetch ficará fechado “nos próximos meses, possivelmente tão cedo quanto o fim de janeiro”. Esta é a informação que consta num email que foi enviado aos trabalhadores da plataforma de comércio de moda de luxo, a 8 de janeiro, a que o Observador teve agora acesso.

Em dezembro, a “Amazon coreana”, como é conhecida internacionalmente, anunciou a intenção de comprar a empresa criada por José Neves. O negócio prevê que a Coupang disponibilize um empréstimo de 500 milhões de dólares à Farfetch e que fique com todos os ativos da empresa, lote que inclui o New Guards Group, a boutique Browns e a Stadium Goods. A Coupang surgiu num momento de debilidade na situação financeira da Farfetch. Com o acordo também chegou ao fim a cotação da empresa luso-britânica na bolsa de valores de Nova Iorque, com um anúncio de que quem investiu nas ações da companhia não vai conseguir recuperar os investimentos. A informação não caiu bem no mercado e também entre os trabalhadores da empresa: desde que a Farfetch entrou em bolsa que as compensações e bónus aos funcionários são atribuídos em ações, que são agora vendidas fora de bolsa a poucos cêntimos, conforme noticiou o Jornal de Negócios.

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A incerteza que já vigorava entre os trabalhadores não se dissipou com o anúncio da intenção de compra – antes pelo contrário. Kim reconhece no email de 8 de janeiro, a que o Observador teve acesso, que os funcionários têm passado por “alguns dos momentos mais desafiantes e incertos do vosso tempo na Farfetch”, mas fala em “boas notícias”.

Aos olhos de Kim, a empresa de José Neves (que não é mencionado no email) está “numa posição financeira muito mais forte” e que, assim que haja luz verde dos reguladores, “vai ter dívida limitada, centenas de milhões em dinheiro e um acesso enorme a capital.” Bom Kim diz que espera que haja “sucesso” nos processos de avaliação regulatória e da gestão da venda, que acredita que fiquem concluídos “nos próximos meses, possivelmente tão cedo quanto o fim de janeiro”.

No email, o CEO da Coupang diz acreditar que o “futuro é muito brilhante” e sublinha que “o objetivo não é que a Farfetch sobreviva, é que a Farfetch prospere”. 

O líder da Coupang não abre o jogo sobre planos mais concretos para o futuro da empresa e dos milhares de trabalhadores – no fim de 2022, eram 6.728 a nível global, mais de 3.300 em Portugal, números que deverão estar desatualizados. Opta por transmitir que está entusiasmado “pelo desafio de construir a retalhista determinante na indústria de moda de luxo”, uma área onde a Coupang não tem propriamente experiência. Na Coreia, a empresa é conhecida pelas entregas rápidas, e não é associada ao mercado de luxo.

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Na mensagem, Bom Kim destaca, por outro lado, ser necessário “reconhecer e recompensar a equipa” da Farfetch, “ao garantir que as pessoas talentosas recebem pacotes de compensações totais fortes”. Assim, promete Kim, quando a operação estiver concluída, “vão apresentar um novo plano de compensação que reconhece o sucesso incrível”, sem apresentar detalhes.

O Observador enviou questões à Farfetch e à Coupang sobre as expectativas para a conclusão do negócio e sobre o futuro dos trabalhadores, encontrando-se a aguardar respostas.

Bom Kim acredita que se está, ainda, nos primórdios do comércio de moda online e a Farfetch “construiu algo profundamente especial”. Fala em planos a longo prazo, dizendo que, “na próxima década e mais além, planeiam melhorar a experiência de cliente ainda mais, aprofundar as nossas parceiras de primeiro nível com as marca de luxo globais e reforçar o compromisso para a excelência operacional”.

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A Farfetch foi fundada em 2007 mas só chegou ao mercado um ano mais tarde, duas semanas antes do início da crise financeira de 2008. Ultrapassou a marca de uma avaliação de mil milhões de dólares, a linha para o estatuto unicórnio, em 2015 e entrou na bolsa de valores de Nova Iorque três anos mais tarde, através de um IPO (oferta pública inicial).

As ações já estavam em queda há vários meses, mas uma notícia no final de novembro, do Telegraph, sobre a intenção de saída de bolsa, aumentou as dúvidas à volta da gestão da companhia. O cancelamento da apresentação de resultados financeiros do terceiro trimestre, na noite antes da data planeada, foi mais uma acha para a fogueira.

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Ainda antes de surgir o negócio com a Coupang, os funcionários já relatavam online algumas saídas de trabalhadores. Sempre que foi questionada sobre o tema, a Farfetch manteve silêncio, sem nunca concretizar quantas pessoas foram saindo. Porém, na apresentação de resultados do segundo trimestre, feita em agosto, confirmou que tinha começado a “implementar medidas de redução de custos, incluindo redução de trabalhadores e liderança (…)”.

Há já alguns meses que a Farfetch tem vindo a perder executivos em cargos de relevo, alguns alegadamente sem grandes explicações a nível interno. Uma das saídas mais recentes é a da diretora de recursos humanos da Farfetch, que foi esta quinta-feira anunciada como a nova responsável de RH (recursos humanos) da alemã Autodoc. No Linkedin de Ana Isabel Sousa, no qual fala sobre as novas funções da empresa de comércio de peças automóveis, é dito que assume o novo cargo “depois de quase uma década de crescimento e aprendizagem na Farfetch”.

Ana Isabel Sousa esteve na Farfetch quase dez anos: começou por gerir os recursos humanos em Portugal e, mais tarde, a nível internacional.

O ano passado ficou marcado por outras saídas de executivos. Em fevereiro de 2023, foi anunciada a saída do diretor financeiro Elliot Jordan, que foi substituído por Tim Stone, que assumiu funções em julho de 2023. Cipriano Sousa, diretor tecnológico e um dos primeiros trabalhadores da Farfetch — a nível interno era mesmo visto como o braço direito de José Neves –, também saiu da empresa.