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“American Fiction”: como escrever literatura negra

Um escritor afroamericano torna-se um afroamericano escritor para falar da contradição insanável a que conduziu a ditadura do contexto. E confirmar 2023 como ano de memorável safra no cinema.

Erika Alexander é Coraline, Jeffrey Wright é Monk. Descrever muito mais a relação entre ambos seria antecipar em exagero a trama de "American Fiction", mas é uma espécie de pivot pra todo o jogo
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Erika Alexander é Coraline, Jeffrey Wright é Monk. Descrever muito mais a relação entre ambos seria antecipar em exagero a trama de "American Fiction", mas é uma espécie de pivot pra todo o jogo

Claire Folger

Erika Alexander é Coraline, Jeffrey Wright é Monk. Descrever muito mais a relação entre ambos seria antecipar em exagero a trama de "American Fiction", mas é uma espécie de pivot pra todo o jogo

Claire Folger

É. Enerva esta mania de os americanos colarem a palavra “American” a tudo, como se isso, imediatamente, lhe conferisse um estatuto especial. “American Graffiti”, “American Gigolo”, até um “American Psycho”, “Beauty”, “Pie”, “Hustle”, “Gangster”, “Sniper”, “Symphony” – por aí afora, e isto só para não sair do cinema. Mas American Fiction (que em Portugal não chegou às salas, mas está disponível na plataforma Prime Video, da Amazon, onde chegou sem alarido) usa o adjetivo com propriedade. É, verdadeiramente, acerca de uma ficção americana, e em mais do que um sentido, que depois, como de costume, muitos não-americanos contraíram por osmose.

De que se trata? Thelonious Ellison, (Jeffrey Wright num papel com um tipo de alcance que há muito merecia) Monk para os amigos, por razões que nos abstemos de explicar, é um daqueles casos de escritor respeitado que ninguém conhece. Ou que, pelo menos, ninguém compra – e menos ainda lê. Afroamericano incomodado com o sucesso da literatura supostamente “negra”, que vê apenas como a perpetuação de estereótipos em que não se revê, decide escrever um romance do género, apenas para provar quão fáceis são de deitar cá para fora e desmascarar-lhes a suposta “autenticidade”. O resultado é tão conseguido e tão embaraçoso que prefere assiná-lo com um pseudónimo: Stagg R. Leigh.

[o trailer de “American Fiction”:]

Ora, entregue o manuscrito ao editor e esquecido o assunto, e enquanto o autor se ocupa da morte da irmã, da demência da mãe, da tumultuosa saída do armário do irmão (soberbo Sterling K. Brown) e até do casamento da empregada de família e da sua própria história afetiva, eis que Fuck – é esse o título do seu romance de literatura “negra” – se torna o fenómeno literário do ano. Com direito a editora de luxo, contrato milionário, adaptação ao cinema e, claro, o reconhecimento dos pares. De caminho, e porque isto cada vez menos basta escrever, Monk tem de transformar em Stagg, o suposto ex-presidiário foragido que assinou mais uma história de violência, drogas, tiros e muito calão do gueto, para dar entrevistas, ir a almoços e, quem sabe, subir ao palco para receber e agradecer prémios.

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Nomeado para cinco Óscares – Melhor Filme, Ator Principal, Ator Secundário, Argumento Adaptado e Banda Sonora Original –, American Fiction é uma deliciosa surpresa que assinala a estreia na realização de Cord Jefferson, argumentista que integrou as writers rooms de séries como Master of None, The Good Place, Watchmen e até Succession (como consultor) e que aqui salta para o grande ecrã com uma adaptação assinada por ele próprio do romance original de Percival Everett.

Um soberbo Sterling K. Brown interpreta o irmão do protagonista, nuam relação tão antagónica como complementar

O argumento tem varrido a concorrência em boa parte da temporada de prémios – BAFTA, Critics’ Choice, Satellite Awards e até um auspicioso Independent Spirit Award (aqui, com prémio também para Jeffrey Wright). Mais do que isso, nos Black Reel Awards, ganhou três das principais categorias: filme, realização e ator principal. Mas o que vai achar disto a má consciência branca quando estivermos a falar dos holofotes do Dolby Theatre, já é outra conversa.

Afinal, o que American Fiction diz (e já suspeitávamos) é que há hoje muitas pessoas brancas que sabem melhor do que as negras o que é ser negro, qual é a voz negra certa e de que é que os negros podem e devem falar se são realmente negros. É uma crítica corajosa, triunfal, à ditadura da “diversidade” sem mais, aos identitarismos, a ter de meter tudo em caixinhas, às confusões absurdas entre autor e obra, criação e biografia, autor e personagem, arte e decomposição, no país que há décadas as plantou nas universidades e cujos frutos começamos, só agora, a colher.

Claro que não vai ganhar os Óscares. Mas que os Óscares o tenham nomeado acende, por si só, uma luzinha de esperança em todos aqueles que cresceram a ser educados para a igualdade e não para a diferença, para o que aproxima e não para o que separa, para o que temos debaixo da pele e não à superfície dela. Talvez a guerra ainda não esteja perdida. Talvez.

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