O Governo propôs acabar com uma quota adicional da taxa contributiva para os trabalhadores independentes da Cultura e que os qualificava para aceder ao subsídio de suspensão de atividade, no âmbito do Estatuto dos Profissionais da Cultura.

A proposta faz parte de um projeto de decreto-lei que altera o Estatuto e que o Ministério da Cultura enviou, em 23 de fevereiro, numa carta a entidades representativas do setor da Cultura, à qual a agência Lusa teve esta quarta-feira acesso.

Segundo o documento, a proposta de alteração centra-se “em dois aspetos fundamentais”: Alteração das taxas contributivas previstas no Estatuto e das condições de acesso ao subsídio de suspensão de atividade cultural.

O subsídio de suspensão de atividade cultural é equiparado ao subsídio de desemprego, para trabalhadores independentes, com contratos de muito curta duração e que estejam inscritos no registo dos profissionais da área da Cultura.

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Em maio do ano passado, estruturas representativas do setor da Cultura denunciaram que havia vários meses de atraso nos pagamentos ou mesmo ausência de resposta aos pedidos de suspensão de atividade.

Em julho, numa audição parlamentar, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, explicou que o número “muito reduzido” de potenciais beneficiários do subsídio se devia à natureza facultativa e ao esforço adicional de quotização.

O Estatuto dos Profissionais da Cultura entrou em vigor de forma faseada em 2022. Só a partir de 01 de outubro desse ano é que os trabalhadores passaram a poder ter acesso àquele subsídio.

Para poderem aceder, os trabalhadores da Cultura estão sujeitos a uma taxa contributiva de 25,2%, que resulta da taxa aplicável aos trabalhadores independentes no regime geral, de 21,4%, e de uma quotização adicional de 4,2%.

Na carta enviada em 23 de fevereiro às várias entidades, o Ministério da Cultura explica que na proposta de alteração a taxa contributiva passa dos atuais 25,2% para 21,4%, ou seja, “deixa de ser exigida uma quotização adicional para o Fundo Especial de Segurança Social dos Profissionais da Área da Cultura”.

“Desta forma, estes profissionais da área da Cultura passam a descontar apenas para o regime geral, mantendo, no entanto, e ao contrário dos restantes trabalhadores independentes, o direito ao acesso ao subsídio de suspensão de atividade, bem como todas as proteções previstas no regime de proteção social do Estatuto”, explica a tutela.

O ministério propõe ainda que na taxa contributiva dos profissionais em regime de contrato de trabalho de muito curta duração inscritos no Estatuto, a parte que é responsabilidade do trabalhador passe dos atuais 11% para 9,3%.

Além disso, é proposta uma alteração do Estatuto tendo em vista “agilizar o acesso ao subsídio de suspensão de atividade cultural, facilitando o cumprimento do prazo de garantia necessário para receber este subsídio”.

Assim, é proposta a redução do valor do Indexante de Apoio Social (IAS) utilizado na fórmula de cálculo do prazo de garantia, que passa de 2,5 IAS para 2 IAS.

A tutela sustenta que esta alteração “irá permitir que o valor da remuneração mensal ou o valor do recibo eletrónico necessário para atingir o prazo de garantia de 180 dias seja mais reduzido”.

No projeto de decreto-lei foram ainda clarificados alguns aspetos, “nomeadamente no que respeita à situação das entidades de mera intermediação e/ou gestão coletiva de direitos de autor, quando atuam exclusivamente no âmbito dessa atividade”.

Na carta, a tutela dá conta que a proposta de alteração acontece “na sequência da auscultação que tem vindo a ser feita ao setor e com base nos elementos disponíveis após dois anos de experiência prática do regime”.

Num comunicado divulgado esta quarta-feira, a Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas considera que as alterações propostas “respondem a reivindicações de sempre, mas mantém injustiças de fundo”.

Aquela entidade partilha ter recebido “com bastante surpresa” a proposta do Governo, sobre a qual deverá enviar um parecer até sábado.

“O prazo para a revisão do Estatuto era de dois anos, ou seja, até dezembro de 2023. Desde que o Governo tomou posse, houve tempo suficiente para esse trabalho ser feito, bem como as condições necessárias e interlocutores preparados e dedicados, além de um grupo de acompanhamento”, refere a Plateia, acrescentando que “repetidas vezes” mostrou à tutela “disponibilidade e interesse para reunir sobre este assunto”.

No entanto, alega a associação “não houve lugar a qualquer debate e partilha de propostas por parte do governo”.

“Temos a expectativa de estabelecer um diálogo mais construtivo com o próximo governo, para virmos a aprofundar a revisão deste Estatuto”, afirma.

No comunicado, a Plateia dá conta que concorda “com a generalidade dos pontos da proposta de alteração”.

“A redução do prazo de garantia (número de dias de trabalho necessários para aceder à prestação) para acesso ao Subsídio de Suspensão de Atividade, que reivindicamos desde sempre, é fundamental, e deve ir ainda mais longe, contabilizando-se todos os rendimentos e não apenas a base de incidência, ou seja, 70%. Também a redução das taxas contributivas é essencial, para que haja adesão ao sistema de proteção social especial”, sustenta.

No entanto, a associação lamenta “que a revisão agora proposta desperdice a oportunidade para fazer as alterações de fundo que são fundamentais”.

Destacando que “o Estatuto fez bem em reconhecer a necessidade de um enquadramento de proteção social específico” para o trabalho na Cultura, a Plateia alerta que “o enquadramento será sempre desadequado enquanto continuarem a ficar excluídas todas as situações que não sejam o recibo verde ou o contrato de trabalho de muito curta duração”.

“As regras atuais, que o governo não quis alterar, contradizem o objetivo de promover a celebração de contratos de trabalho e são prejudiciais para as inúmeras pessoas que trabalham através de diferentes modalidades, dado que não existe uma forma de integrar os descontos e a contagem do tempo de trabalho para o Subsídio de Suspensão de Atividade Cultural (para o qual só contam recibos verdes e contratos de trabalho de muito curta duração) e para o Subsídio de Desemprego (para o qual contam todos os restantes contratos de trabalho)”, defende.

Além disso, a associação salienta que “há ainda muito a fazer no combate à precariedade na área da cultura”.

“Preocupa-nos o recuo que existiu sobre a forma de comunicação do recurso a recibos verdes e o facto de não haver mais medidas de combate à precariedade. Precisamos de uma estratégia específica e mais robusta, nomeadamente de regularização dos falsos recibos verdes ou situações de falso ‘outsourcing’, dado que as leis atuais não têm sido capazes de proteger quem trabalha na cultura”, lê-se no comunicado.

A Plateia conclui alertando para “os relatos alarmantes sobre a demora nas respostas da Segurança Social aos trabalhadores da cultura”.

“Em particular é grave a falta de resposta em tempo útil aos pedidos de Subsídio de Suspensão de Atividade, o que põe em causa o próprio objetivo de proteção social. Passar quatro meses entre o pedido do subsídio e a sua atribuição, como ocorre, significa a total inoperância da lei e um desrespeito por quem trabalha e contribui”, alerta.