A ansiedade era notória, a empatia torna-se ainda mais evidente. A última meia hora da partida do Sporting com o Farense funcionou como barómetro do atual estado do universo verde e branco. Da equipa, do fase dos jogadores, do papel do treinador, do momento dos adeptos. Rúben Amorim, que cumpre agora quatro anos da chegada a Alvalade, fala da melhor versão em termos futebolísticos desde que assumiu o projeto leonino e os números do ataque sem precedentes nas últimas cinco décadas explicam isso mesmo mas a profundidade do plantel, ou a falta dela, faz com que existam jogos até aos 60/65 minutos e depois dos 60/65 minutos. A razão? Simples: as principais unidades, com Viktor Gyökeres incluído, vão dando alguns – ou demasiados – sinais de desgaste perante a densidade do calendário competitivo e a forma como a equipa joga (e bem). Por isso, aquilo que se sentiu na parte final do encontro diante dos algarvios foi a falta de conforto e a ligação umbilical entre equipa e adeptos, que queriam ver mais mas entendem que agora há pernas a menos.

Sporting empata com Atalanta em Alvalade e deixa tudo em aberto para segunda mão dos oitavos da Liga Europa

Era neste contexto que chegava uma reedição do duelo com a Atalanta na Liga Europa, agora na primeira mão dos oitavos da prova. Por um lado, a formação italiana há muito orientada por Gian Piero Gasperini foi a única capaz de ganhar em Alvalade na presente temporada frente a um Sporting que soma 12 vitórias noutros tantos jogos em casa no Campeonato. Por outro, era o adversário que mais exige em termos físicos aos seus opositores por uma identidade e ideia que fez mossa nos 45 minutos iniciais da partida na fase de grupos. E era assim que Rúben Amorim assinalava o seu quarto “aniversário”, em mais uma conferência de antevisão onde mostrou a capacidade de comunicação que tem feito muita diferença ao longo deste período.

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“A Liga portuguesa nunca vai ser pequena para mim. O importante é sentir-me valorizado, feliz e logo se vê o futuro. Não sei o que vai acontecer mas esta Liga e este clube nunca serão pequenos para mim. Se devia pedir desculpa como Roger Schmidt não fez após o jogo com o FC Porto? Não quero comentar isso, é algo que não nos diz respeito. Aquilo que posso dizer é que já perdemos 5-0 com o Ajax e com o Manchester City mas sou um treinador com sorte porque me foi permitido falhar em toda a linha no ano passado. Sinto-me um sortudo. O resto é problema dos outros”, apontara o técnico numa espécie de reforço da “química” com o clube, os dirigentes e os adeptos. “Melhor momento nestes quatro anos? É difícil escolher. Até agora foi quando fomos campeões nacionais, duas vezes será ainda mais especial”, acrescentara a esse propósito.

No entanto, havia mais do que um desafio olhando para o atual momento e contexto e se a Atalanta já era um adversário de peso, as ausências de Adán, Gonçalo Inácio e Pedro Gonçalves além de todo o desgaste físico acumulado adensavam as dificuldades. “A gestão que fizemos neste jogo foi diferente de jogos no passado, desta vez os jogadores que saíram foi para os salvaguardar de uma lesão. Há uma rotação, a forma como jogámos com o Benfica… Estamos a gerir fisicamente os jogadores e não a poupar, a gerir para ir ganhando todos os jogos. Olhando para os jogadores que estão no limite, vamos vendo o rendimento no jogo. A gestão é feita para salvaguardar os jogadores da lesão e tentar levar isto a bom porto”, destacara.

Com mais ou menos pernas, com a cabeça mais ou menos fresca, o Sporting teria pela frente uma Atalanta que obrigava a grande disponibilidade física e mental. “A Atalanta é uma equipa que torna o jogo em duelos, a forma como se movimentam para construir provoca isso no adversário. São muitos jogadores a trocar a posição e às vezes não temos tempo para fazê-lo. Cada um tem de acompanhar o seu homem. É uma equipa com uma capacidade física diferente das que encontramos em Portugal, é muito potente e temos de igualar essa intensidade. Já tivemos dois jogos com eles, acho que nos adaptamos melhor no segundo. Vai ser difícil mas sinto que estamos mais preparados neste momento. Vingança? Eles querem é ganhar o jogo e passar a eliminatória. Este Sporting é a equipa que joga melhor, é a versão mais completa. Se vai ser a melhor, depende dos títulos. Neste momento, desde que cá estou, é a equipa mais completa”, confidenciara.

A exibição com a Atalanta não beliscou em nada essa ideia mas, mais uma vez, os italianos foram em termos globais melhores com uma nuance: se na fase de grupos os italianos ganharam em toda a linha nos aspetos gerais e específicos da partida, aqui beneficiaram sobretudo da melhor condição física. Em vários lances, os jogadores do Sporting sabiam o que tinham de fazer, percebiam o que se ia seguir mas as pernas pareciam não responder ao que a cabeça pensava. Foi por isso que Gyökeres, Hjulmand e Nuno Santos começaram no banco, foi por isso que mais alguns também teriam ficado de fora se houvesse margem para isso além dos lesionados Adán, Gonçalo Inácio e Pedro Gonçalves. No final, sobrou o empate a um que deixa a eliminatória em aberto para Bérgamo, com essa certeza de que, entre defesas de Franco Israel e três bolas nos postes dos transalpinos (mais uma de Coates), os leões terão mais ou menos hipóteses consoante a condição física que consigam apresentar para que a mesma se traduza na intensidade que a equipa tem perdido.

Ficha de jogo

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Sporting-Atalanta, 1-1

1.ª mão dos oitavos da Liga Europa

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Daniel Siebert (Alemanha)

Sporting: Franco Israel; Eduardo Quaresma, Coates, Diomande (St. Juste, 46′); Geny Catamo, Koba Koindredi (Hjulmand, 46′), Morita (Daniel Bragança, 84′), Matheus Reis; Marcus Edwards (Gyökeres, 46′), Francisco Trincão e Paulinho (Ricardo Esgaio, 68′)

Suplentes não utilizados: Diogo Pinto, Francisco Silva, Nuno Santos, Luís Neto, Iván Fresneda, Rafael Pontelo e Geovany Quenda

Treinador: Rúben Amorim

Atalanta: Juan Musso; Djimsiti, Isak Hien (Scalvini, 46′), Sead Kolasinac; Emil Holm (Zappacosta, 89′), Marten de Roon, Éderson, Matteo Ruggeri; Miranchuk (Koopmeiners, 72′), Lookman (De Keteleare, 72′) e Scamacca (El Bilal Toure, 81′)

Suplentes não utilizados: Marco Carnesecchi, Paolo Vismara, Rafael Tolói, Pasalic, Mitchel Bakker, Michel Ndary Adopo e Hans Hateboer

Treinador: Gian Piero Gasperini

Golos: Paulinho (17′) e Scamacca (39′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Hien (14), Marcus Edwards (36′), Scalvini (49′) e Djimsiti (56′)

Com todas as alterações anunciadas, que mantiveram Diomande e Francisco Trincão à esquerda mesmo com rendimento superior no flanco oposto, o Sporting teve um início diferente do que tivera no primeiro encontro com a Atalanta à mesma proporção daquilo que foi o arranque dos italianos. Significado? Havia uma equipa verde e branca melhor posicionada em campo para bloquear todos os pontos fortes dos transalpinos com e sem bola, em ataque organizado ou na procura da profundidade, e em paralelo com isso uma formação de Bérgamo que não arriscava tanto em termos de pressão alta como fizera na primeira visita a Alvalade. Com isso, os minutos foram passando sem grandes ocasiões de perigo a não ser num rasgo individual de Marcus Edwards pela direita onde fintou tudo e todos até ao cruzamento rasteiro na área sem desvio (7′). Do lado dos visitantes, Éderson teve o primeiro remate numa segunda bola após canto mas muito ao lado (13′).

As equipas estavam demasiado encaixadas mas Rúben Amorim tinha uma jogada de xeque preparada que os italianos não conseguiram antecipar (longe disso): Koba Koindredi e Francisco Trincão fizeram movimentos que tiraram Éderson da zona de pressão, Matheus Reis encontrou Trincão mais por dentro e o extremo viu bem a profundidade no movimento que Paulinho fazia a partir da esquerda, colocando no espaço para o avançado ganhar metros e atirar cruzado para o 1-0 (17′). A marcar houve muito mérito, a não sofrer também surgiu a sorte que nada quis com os leões (e sobretudo com Pedro Gonçalves) em Bérgamo: Holm aproveitou uma abordagem errática de Matheus Reis para acertar no poste (23′), Scamacca ganhou espaço pelo meio fora da zona dos centrais para atirar de novo aos ferros (24′) e Franco Israel evitou por duas vezes o empate após um erro de Koba Koindredi (27′) e numa tentativa de meia distância de De Roon (30′).

Rúben Amorim não podia estar mais impaciente no banco, quase que a adivinhar que a melhoria crescente dos italianos iria chegar ao empate. Porque uma coisa eram erros técnicos como o mau posicionamento de Matheus Reis na primeira bola ao poste ou a abordagem errada e a facilitar de Koba Koindredi no lance em que Franco Israel evitou males maiores com uma saída destemida aos pés num dos poucos lapsos do médio francês ex-Estoril, outra coisa era a espiral de ações erráticas enquanto bloco coletivo que a equipa verde e branca ia cometendo quase a recordar aquilo que se passara no início da partida entre ambos ainda na fase de grupos. Era quase como se os leões estivessem a chamar o azar e Scamacca aproveitou esse “convite”, beneficiando de um atraso de Eduardo Quaresma para uma zona cinzenta entre Franco Israel e Coates que obrigou o guarda-redes a sair de carrinho mas sem tirar o perigo até ao remate do avançado italiano (39′), que só não bisou de seguida devido a uma grande defesa do uruguaio após canto (41′).

O técnico leonino não perdeu tempo e fez logo três alterações ao intervalo de uma assentada, lançando de uma vez St. Juste, Hjulmand e Gyökeres para os lugares de Diomande, Koba Koindredi e Marcus Edwards e tendo antes uma atenção especial no banco com o central neerlandês que iria descair na esquerda de linha de três centrais. A exibição do Sporting não melhorou muito em termos ofensivos apesar de o primeiro remate ter sido de Geny Catamo para defesa de Juan Musso (52′) e a ameaça seguinte ter chegado do pé esquerdo de Francisco Trincão num livre mais lateral que seguiu direto para a baliza mas a partida tornou-se diferente, com uma maior capacidade de travar os transalpinos em ataque organizado mas sem argumentos para travar a magia de Lookman, que passou bem por Eduardo Quaresma com um toque entre as pernas antes de acertar no poste (60′). A resposta não demorou e chegou da mesma forma: Francisco Trincão cruzou largo na direita ao segundo poste e Coates desviou de cabeça para o lado contrário acertando também no poste (62′).

O encontro podia cair para qualquer lado, sendo que os italianos eram mais capazes no meio-campo leonino e nas abordagens ao último terço do que os leões. Porquê? Porque a Atalanta conseguiu neutralizar bem os possíveis ataques à profundidade que a colocação de Gyökeres em campo podia trazer. Foi assim que os minutos foram passando já com Geny Catamo a assumir o papel de extremo após saída de Paulinho (e a entrada de Ricardo Esgaio para lateral), com Djimsiti a ter mais uma oportunidade flagrante de cabeça após cruzamento da direita que saiu a rasar o poste (75′) e o recém entrado El Bilal Toure a marcar mesmo numa recarga após defesa de Franco Israel num lance que seria anulado por fora de jogo (86′). Se essa capacidade já não era muita, o Sporting estava em definitivo sem pernas para esticar até ao ataque e a entrada de Daniel Bragança foi quase um sinal de Rúben Amorim para que a equipa gerisse o empate possível.