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"How to Have Sex — A Primeira Vez": o elogio do desencanto

Grande estreia nas longas-metragens para a realizadora Molly Manning Walker, é um olhar incisivo sobre a adolescência, o ser britânico e o consentimento. Falámos com a protagonista, Mia McKenna-Bruce.

A atriz Mia McKenna-Bruce é um pilar essencial na forma como a inglesa Molly Manning Walker decide mostrar esta espécie de “momento” na vida dos adolescentes britânicos
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A atriz Mia McKenna-Bruce é um pilar essencial na forma como a inglesa Molly Manning Walker decide mostrar esta espécie de “momento” na vida dos adolescentes britânicos

A atriz Mia McKenna-Bruce é um pilar essencial na forma como a inglesa Molly Manning Walker decide mostrar esta espécie de “momento” na vida dos adolescentes britânicos

A ligação entre ambos os filmes é óbvia, porque ambos têm ingleses e têm ingleses em férias. Em particular, ingleses em férias em locais que se ajoelharam para serem sítios para os ingleses se irem divertir, quase imploraram por eles. Mas há muito mais a unir este How To Have Sex — A Primeira Vez (vencedor do prémio Un Certain Regard na última edição do festival de Cannes) e Aftersun (o indie-fenómeno do cinema de 2022 para 2023). Neste que agora se estreia, o cenário é a Grécia — em Aftersun era a Turquia. Podia ser o sul de Espanha, o Algarve ou até a Madeira. E aqui entra o que mais une estes dois filmes: a forma que as realizadoras Molly Manning Walker e Charlotte Wells escolheram para retratar estes locais. Talvez exista uma geração de realizadores britânicos com alguma autoconsciência sobre este tipo de férias. Será tendência? Ou será a capacidade de gerar narrativas que estes momentos geram?

Desabitados pela população local (não se veem a “viver”, intui-se que estão a servir turistas em férias), estes sítios estão comprometidos com uma ideia de divertimento, com serviços que se repetem, com a venda de um conceito de “férias genuínas”, que já existiam antes de os ingleses as terem ocupado. Isto importa, porque parte da força de ambas as obras está no carisma particular do local imaginado, uma fantasia habitada pela realidade de um desejo de férias. Se em Aftersun esse local é o de uma memória (a última?), em How To Have Sex — A Primeira Vez é a criação de uma memória futura (neste caso, o falhanço da memória enquanto coisa positiva).

Neste aspeto, Molly Manning Walker vai um passo além de Wells. Em How To Have Sex — A Primeira Vez, raramente se veem locais e quando se veem, as respetivas caras parecem desfocadas, quase como se não existissem. Os momentos de entretenimento são promovidos por outros britânicos, os próprios a servir os próprios, dando a entender nas entrelinhas que um local nunca saberia entreter um britânico tão bem como um britânico sabe entreter um britânico. Walker também nos está a dizer outra coisa: como esta atitude de colonização alcoólico-balnear se instalou. Vai-se para outro local, onde há sol, mar, álcool barato e os pais não estão a ver e o negócio (o dinheiro) continua a ser uma transação de britânicos para britânicos.

[o trailer de “How to Have Sex — A Primeira Vez”:]

Walker trabalha a fórmula com que se filma estes locais, sítios selvagens. Spring Breakers: Viagem de Finalistas, de Harmony Korine vem à memória e, noutro nível, Kids, escrito por Korine e realizado por Larry Clark, também. Os sítios para onde os adolescentes vão perder o controlo, tornar o impossível da casa dos pais possível num local distante do lar; criar memórias e amizades que duram para sempre (é essa a expectativa). Contudo, não é bem é isto que se vê no filme. A ideia de descontrolo está lá, é inerente ao cenário, ao momento e seus protagonistas, mas a realizadora deixa o desencanto entrar. E esse desencanto passa a controlar o descontrolo.

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Trata-se de um rito de passagem, protagonizado por Mia Mckenna-Bruce, protagonista do filme (interpreta Tara). Do outro lado do ecrã, numa chamada online, conta-nos sobre sobre uma ida a Ibiza com amigos, nas primeiras férias depois dos exames de admissão para a universidade: “Há pouco tempo alguém descreveu essas férias como uma batalha. Essa deve ser a melhor descrição, porque é muito exigente: dormes muito pouco, não comes particularmente bem e usas toda a tua energia em festas.”

Rito de passagem, sim, mas também um exercício de libertação. Acabam-se as aulas, acaba-se a escola secundária e, com isso, acaba-se uma vida para começar outra. “É o primeiro trago da vida adulta para muitos jovens, quanto mais não seja porque vão sem os pais. É a primeira vez que sentes liberdade ou, pelo menos, aquilo que achas que é a liberdade com aquela idade. Até mesmo nas coisas mais parvas, como seres responsável pelo teu passaporte. Estas pequenas coisas entram de repente e dizem-te: é isto que é ser adulto. Por isso, sim, agora somos adultos e estamos prontos para tomar conta do mundo. E, no filme, vês o quão jovens são, o quão pouco preparados estão para ter este tipo de responsabilidade assim de repente.”

“É o primeiro trago da vida adulta para muitos jovens, quanto mais não seja porque vão sem os pais. É a primeira vez que sentes liberdade ou, pelo menos, aquilo que achas que é a liberdade com aquela idade"

How To Have Sex — A Primeira Vez apresenta-nos três amigas: Tara, Skye (Lara Peake) e Em (Enva Lewis). São adolescentes e encaram as férias como um tempo para viver muitas experiências. Uma dela está focada no sexo e — está implícito no título — na perda de virgindade. “Há aquele momento em que a Tara diz: ‘se eu não perder a virgindade nestas férias, há a possibilidade de morrer virgem’.” Mia refere-se à pressão que existe, de agradar, de ser agradado, de cumprir, de fazer um “visto” nas caixinhas certas. O falhanço vai gerar uma inevitável sensação de viagem desperdiçada. É paradigmático que vão passar férias para perderem o controlo – serem adultas – mas tudo parece estar controlado: o que há para fazer naqueles dias está anotado num calendário de atividades que o local oferece, os jogos comunais que irão fazer, o tempo que têm para beber, tudo. O divertimento, o “estar e relaxar”, parece fazer parte de um horário de fábrica. É uma pressão invisível, mas que está lá: “A Molly queria mostrar como essa pressão surge de todos os lados e como se apresenta aos jovens, sobretudo pela forma do sexo”, diz-nos a atriz sobre a vontade da realizadora do filme.

Essa pressão existe, em parte, porque estamos a falar de um grupo. As três amigas apercebem-se disso logo ao final da primeira noite. Para fazerem o que querem — ou seja, sexo — têm de se separar, conhecer pessoas individualmente e não se fecharem num grupo. É isso que as leva a juntarem-se a um conjunto de vizinhos, convidadas por Badger (Shaun Thomas), por quem Tara tem um fraquinho. É aqui que conhecem Paddy (Samuel Bottomley). Paddy é um estereótipo: “Sabes, muitos homens vêm ter comigo e dizem-me que se relacionam com o Paddy ou que conhecem um Paddy. Penso que um filme como este é importante, porque põe as pessoas a falar, quando as pessoas falam, abre-se a possibilidade de reconhecer que há um problema. E os homens podem começar a ter estas conversas com os amigos, com a família, com quem quer que seja, para prevenir que este tipo de situações aconteçam.”

Paddy é um estereótipo, mas não é uma ideia, isso seria menorizar o ato. É um estereótipo por causa do que faz e de como age perante isso. E é aqui que entra o exercício em volta de uma palavra que tem estado sob alguns holofotes mas nem por isso pelas melhores razões: “É o tipo de coisa… não me lembro de alguma vez me terem ensinado sobre consentimento na escola. Acho que, com aquela idade, nem sabia o que consentimento significa. É essencial ensinar-se as ferramentas aos adolescentes para terem estas conversas.”

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A realizadora Molly Manning Walker, na cerimónia dos BAFTA (os prémios do cinema britânico) deste ano

BAFTA via Getty Images

Numa manhã, Tara está desaparecida, ninguém sabe dela. “O que aconteceu à Tara?”. O espectador é levado para a noite anterior, que é uma espécie de eixo em torno do qual gira a narrativa. A atriz consegue colocar-nos entre um sentimento duplo. Vemos Tara entre uma experiência confusa e episódios de libertação, de auto realização: “Ela escapa da pressão daquelas férias. acho isso muito bonito, porque vemos a Tara com um outro grupo de amigos e apercebemo-nos de como as coisas podem ser boas, felizes. Estas férias — e a Molly referiu-nos isto muitas vezes — têm também alguns dos melhores momentos das nossas vidas, não tem de ser tudo horrível. Podem ser mesmo bonitas. E isso pode ser verdade quando estás num grupo de amigos como aqueles, em que se respeitam a todos.”

Mia McKenna-Bruce faz com que não estejamos “apenas” a acompanhar os ritos de passagens ou os dilemas de Tara. A atriz é um pilar essencial na forma como a inglesa Molly Manning Walker decide mostrar esta espécie de “momento” na vida dos adolescentes britânicos (e não só). Desmonta-se a coisa, a relevância enquanto rito de passagem e os comportamentos e estereótipos que perpetua: o que tem de se fazer quando se está em “holidays” ou “abroad”. Há um momento em que se repetem as coisas que se ouvem sempre, que “para o ano voltamos”, porque há a garantia de que aqueles locais se mantêm iguais, prontos a servirem as expectativas de uns quantos e de cumprir com a promessa de divertimento. No fundo, prontos a estarem iguais, a cumprirem o seu papel. Os turistas também estarão, prontos a visitar, a voltar, e muito disponíveis para cumprir o seu papel.

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