A madrasta de Alfredo fez o melhor que pode na educação dos filhos, mas, como o próprio reconhece, às vezes o melhor não chega e, por casos como o seu, abril mantém-se o Mês da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância.

Alfredo é hoje adulto e contou a sua história perante uma plateia de vários técnicos de Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou outros profissionais que trabalham com a infância e juventude, reunidos, em Lisboa, para o arranque das várias iniciativas que marcam o Mês da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância.

Recordou o impacto de ter perdido a avó e o pai antes dos 10 anos, de como os seus modelos de comportamento eram os irmãos mais velhos e os amigos do bairro, a falta de regras e de atenção, apesar de reconhecer que tudo o que a madrasta fez por si e pelos irmãos foi com amor.

“Ela fez o melhor que pode, mas às vezes o melhor que se pode fazer não é o suficiente”, contou, recordando como assim que a madrasta recebia “aqueles apoios todos de que o Chega não gosta” perguntava aos filhos o que queriam e acabava gastando o dinheiro todo nos primeiros dez dias.

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“Depois não tínhamos mais nada e pedíamos comida à vizinha, mas ela fazia aquilo com muito amor”, sublinhou.

Contou que tanto ele como alguns dos irmãos foram sinalizados por uma CPCJ e posteriormente institucionalizados numa casa de acolhimento, o que provocou revolta e muitas noites de choro, mas também acabou por ser o primeiro passo para uma vida diferente.

“Foi na altura certa”, reconheceu.

Em declarações aos jornalistas, a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) sublinhou que este mês serve para demonstrar que “as crianças têm direito a ter um crescimento saudável, sem violência”.

“Um crescimento baseado no bom exemplo, nos reforços positivos e não na violência quer emocional, quer física, ou até mesmo de abuso sexual que uma em cada cinco crianças em Portugal, de uma maneira geral, já sofreram durante a sua infância”, defendeu Rosário Farmhouse.

Nas palavras da responsável, o mês de abril “é o mês de chamada de atenção para o papel de cada um nesta questão do combate à violência na infância”.

Rosário Farmhouse disse que a CNPDPCJ quer que este mês se repercuta em todo o ano, num trabalho contínuo para que a “violência como forma de educar” deixe de ser aceite.

“A violência não educa. A violência apenas assusta, ajuda a que as crianças se tornem muitas vezes manipuladoras para poderem fugir da violência ou tantas vezes a replicarem este modelo”, apontou.

Defendeu que o objetivo é que deixe de haver dados como os do Instituto Nacional de Estatística, através do Inquérito à Segurança no Espaço Público e Privado (ISEPP), que veio mostrar que “quase uma em cada cinco crianças tiveram infâncias marcadas” pelos maus-tratos.

Os dados do INE, divulgados em dezembro de 2023, revelaram que mais de 1,4 milhões de pessoas dos 18 aos 74 anos sofreram violência na infância (18,6%), até aos 15 anos: mais de 1,3 milhões de pessoas (17,6%) sofreram algum tipo de abuso psicológico ou físico por parte dos pais e mais de 176.000 (2,3%) foram vítimas de abusos sexuais na infância.

“Como [refere] o slogan da Comissão Nacional, “serei o que me deres, que seja amor”, defendeu, acrescentando que é necessária uma cultura em que a base da educação seja amor e não violência e que “proteger crianças compete mesmo a todos”.