Quando revelou, de uma forma aberta, crua e quase natural tendo em conta o assunto, de que padecia de um cancro terminal e teria, na melhor das hipóteses, um ano de vida, o Benfica já conhecia a situação de Sven-Goran Eriksson, um dos treinadores mais marcantes da história do conjunto da Luz. Foi por isso que, então de uma forma muito discreta, tentou trazer o sueco a Lisboa num sinal de reconhecimento por todo o marco que deixou nos encarnados. Estava tudo organizado, o encontro escolhido era a receção ao FC Porto no final de setembro, no final o plano acabou por cair. No entanto, a ideia de uma grande homenagem nunca deixou de estar presente, algo partilhado não só com amigos próximos do técnico mas com a própria família.

“Tenho talvez, na melhor das hipóteses, um ano de vida. Na pior das hipóteses, ainda menos”: a dura confissão de Eriksson sobre o cancro

“Soubemos bem antes dos adeptos, há cerca de um ano, sobre este grande senhor, que será sempre da casa e terá sempre a sua casa. Ele não está de todo esquecido por nós. No início da época, durante o jogo com o FC Porto, estava organizada uma homenagem. Infelizmente, com tudo já marcado, ele trazia toda a família e não pôde viajar na véspera de vir para Lisboa. O médico desaconselhou vivamente a vinda a Lisboa, só por essa razão é que ainda não esteve connosco. Temos grande dificuldade em poder trazê-lo por essas razões. Ele não veio mas toda a família veio. A filha viu o jogo ao meu lado. Não temos memória curta. Todos conhecemos a enorme história entre Benfica e Eriksson. Foi o treinador que me fez estrear na equipa principal. Jamais poderia passar ao lado deste facto. Se ainda não veio a Lisboa, é porque não pode. Toda a nação benfiquista está com ele, esperando que possa ganhar mais esta batalha”, contou Rui Costa à BTV.

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Eriksson. “Uma palavra em português? Benfica”

O contacto foi sempre mantido entre as partes, com o treinador sueco a gravar uma mensagem de vídeo que passou na gala Cosme Damião, que assinalou o 120.º aniversário do Benfica, depois de receber o prémio Homenagem. Aí, Eriksson manifestava a vontade de regressar ao Estádio da Luz antes do final da época. E o desejo vai agora realizado, com os encarnados a prepararem uma grande homenagem esta quinta-feira ao técnico que levou o clube a duas finais europeias entre a Taça dos Campeões (1990) e a Taça UEFA (1983), numa informação confirmada entretanto pelo Observador e que tinha sido escrita também pelo DN.

Após parecer favorável dos médicos que têm acompanhado Sven-Goran Eriksson, o técnico virá a Lisboa esta quinta-feira, onde será homenageado no encontro frente ao Marselha relativo à primeira mão dos quartos da Liga Europa. A data foi escolhida pela simbologia do jogo diante dos franceses em 1990, na segunda mão das meias-finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus, quando um golo de Vata já perto do final deu ao Benfica a última presença na decisão da prova (derrota por 1-0 com AC Milan, golo de Rijkaard). Além de ir ao relvado e de assistir ao encontro junto a Rui Costa na tribuna, o técnico vai ser alvo de várias iniciativas num dia especial que pode começar ainda no centro de estágios do Seixal, onde a equipa estará concentrada antes do encontro, estando em aberto a possibilidade de todos os jogadores terem o seu nomes nas costas.

Eriksson garante que Benfica tentou, mas AC Milan era “muito forte” em 1990

De recordar que, no mês passado, Eriksson realizou o sonho de treinar por um dia o Liverpool em Anfield, cumprindo um desejo do pai. “Ele era adepto do Liverpool e ainda é, pelo que o meu amor pelo clube vem daí. Na TV era possível assistir a um jogo todos os sábados. Depois, em 1979, escrevi ao Liverpool e perguntei se poderia assistir a um treino. Eles responderam e convidaram-me. Vi um jogo e alguns treinos, tive a oportunidade de estar no balneário da equipa. Foi ótimo, fantástico. Nunca poderia ter sonhado com tanto. Quando era treinador sempre quis ir para o Liverpool, mas isso nunca aconteceu”, referiu o técnico que orientou uma equipa de velhas glórias dos reds contra uma equipa que antigas referências do Ajax.

Sven-Goran Eriksson, com cancro terminal, cumpre “sonho” de treinar o Liverpool

Depois de uma carreira modesta como lateral direito na Suécia em clubes como Torsby IF, SK Sifhälla ou KB Karlskoga FF, Eriksson começou a carreira de treinador em 1977 no Degerfors IF com apenas 29 anos (e foi aí que se sagrou campeão do terceiro escalão), tendo atingido o primeiro momento de glória no Gotemburgo entre 1979 e 1982, quando conquistou a Taça UEFA frente ao Hamburgo com triunfos nos dois encontros da final (1-0 em casa, 3-0 fora). Foi esse sucesso que convenceu Fernando Martins, então líder do Benfica, a apostar no sueco em 1982, numa primeira passagem pela Luz de dois anos onde foi bicampeão, ganhou uma Taça e foi a nova final da Taça UEFA, com derrota frente ao Anderlecht (0-1 na Bélgica, 1-1 em Lisboa).

Em 1984, Eriksson mudou-se para a Itália, estando três temporadas na Roma com a conquista de uma Taça e um segundo lugar na Serie A antes de rumar à Fiorentina, onde treinou os viola durante duas épocas. Foi aí que João Santos, que sucedera a Fernando Martins na presidência dos encarnados, conseguiu resgatar o sueco para mais três épocas na Luz, onde foi campeão, ganhou uma Supertaça e voltou a uma final europeia, neste caso da Taça dos Clubes Campeões Europeus contra o AC Milan (0-1). A Serie A voltaria a ser o destino de Eriksson a partir de 1992, com cinco anos na Sampdória com uma Taça antes de quatro que seriam dos melhores de sempre na história da Lazio (de Fernando Couto e Sérgio Conceição, entre outras estrelas): foi campeão transalpino em 2000, ganhou a Taça das Taças em 1999 (2-1 ao Maiorca) após ter perdido na época anterior a final da Taça UEFA (Inter, 0-3), conquistou a Supertaça Europeia de 1999 (1-0 frente ao Manchester United) e ainda somou mais duas Taças e outras tantas Supertaças italianas.

“Ganhámos mais do que todos os outros clubes em conjunto”: o discurso de Rui Costa na gala do 120.º aniversário do Benfica

Seriam esses os últimos troféus de Eriksson, que depois dos laziale assumiu a seleção inglesa até 2006 sem o ambicionado grande título entre duas derrotas consecutivas nas grandes penalidades frente a Portugal nos quartos do Europeu de 2004 e do Mundial de 2006. O sueco passou ainda por Manchester City (2007/08), México, Costa do Marfim, Leicester, Guangzhou R&F, Shanghai SIPG e Shenzhen até ser selecionador das Filipinas, último cargo como técnico em 2018/19. Pelo meio, teve ainda a remota possibilidade de voltar a Portugal para treinar o Sporting em 2009, sendo o técnico escolhido por Paulo Pereira Cristóvão em caso de vitória nas eleições que terminaram com um triunfo esmagador de José Eduardo Bettencourt. Até fevereiro de 2023, Eriksson foi diretor desportivo do Karlstad, já longe dos grandes palcos.