No âmbito da Segurança Social, o programa do Governo compromete-se, à semelhança do que aconteceu no programa eleitoral da AD, a fazer um debate e estudo alargados sobre os “desafios” da Segurança Social e volta a atirar alterações para uma eventual legislatura seguinte. É nesse âmbito que admite soluções, como o incentivo à poupança através de esquemas complementares de reforma.

No programa eleitoral, a AD já prometia “uma discussão esclarecida e serena, num contexto de estabilidade e previsibilidade das regras, contribuições e benefícios, durante a atual legislatura”, atirando a adoção de “caminhos e soluções” para uma eventual “legislatura seguinte”. Essa ideia é mantida no programa do Governo, mas agora acrescenta que “poderão” ser “ponderadas medidas destinadas a reforçar a sustentabilidade financeira da Segurança Social”.

E dá exemplos. Por um lado, a diversificação das fontes de financiamento do sistema previdencial (o que paga as pensões), mas também o incentivo junto dos cidadãos à poupança “a médio e longo prazo, através de esquemas complementares de reforma, ao nível das empresas e das pessoas“. Também admite a “melhoria do papel da gestão de ativos, preparando a Segurança Social pública para gerir fundos de capitalização de adesão voluntária, em competição com o setor privado e mutualista”.

Na versão preliminar do livro verde sobre a Segurança Social consultada pelo Observador, os peritos mandatados pelo anterior Governo para estudar o sistema propunham estímulos à poupança para a reforma através de planos individuais, por via de uma revisão das majorações e isenções em IRC e IRS. Por exemplo, prevê que as contribuições voluntárias das entidades empregadoras para planos de pensões individuais detidos pelos colaboradores tenham isenção de taxa social única (TSU) tanto por parte da entidade patronal como do trabalhador, dentro de limites a definir, mas a um nível superior face ao permitido atualmente. E isenção de IRS “nas mesmas condições que se aplicam às contribuições dos participantes”.

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Estes benefícios fiscais seriam, no entanto, reservados aos produtos “para os quais o reembolso da totalidade ou de parte do seu valor só é possível nas condições definidas no regime jurídico dos fundos de pensões”. Também ressalvam que estas medidas deveriam ser precedidas de uma avaliação quantitativa do seu impacto sobre a despesa fiscal, assim como “sobre o nível de participação esperado, o valor das respetivas contribuições, e a taxa de poupança das famílias, utilizando dados individuais de contribuintes com benefícios fiscais da Autoridade Tributária”.

Segundo o mesmo estudo, em 2022, havia 480 mil subscrições em planos de pensões, o que corresponde a pouco mais de 9% da população ativa. Destas, 219 mil participações correspondem a planos profissionais e 260 mil a planos individuais.

Não é referido o que o novo Executivo pretende fazer com outras conclusões preliminares, da comissão de peritos, que constam no livro verde sobre o sistema da Segurança Social — e cuja versão final será entregue ao novo Governo.

Lista com profissões de desgaste rápido será revista

O Governo da AD vai proceder “a uma avaliação e atualização das profissões que devem ser classificadas como profissões de desgaste rápido”. Atualmente, existem 10 profissões de desgaste rápido que podem beneficiar de um regime especial de reforma (trabalhadores das minas, lavarias e pedreiras; bombeiros; bordadeiras da Madeira; trabalhadores portuários; da antiga Empresa Nacional de Urânio; da marinha de comércio de longo curso; abrangidos por acordos internacionais na região autónoma dos Açores; de bailado clássico ou contemporâneo; controladores de tráfego aéreo; pilotos e copilotos).

O programa do Governo não especifica que profissões poderão vir a ser incluídas àquela lista.

O Executivo vai, ainda, avançar com o reforço gradual do Complemento Solidário para Idosos numa “trajetória orientada” de forma a que, em 2028, o valor de referência se fixe nos 820 euros e na legislatura seguinte esteja equiparado ao salário mínimo nacional. Admite, ainda, o “ajustamento” da condição de recursos de acesso ao complemento. O programa da AD já previa o ajustamento da condição de recursos “em linha com  a atualização do valor de referência“.

O Executivo volta a prometer, como fez na campanha, um “suplemento remunerativo solidário” que, em linhas gerais, impede que quando alguém começa a trabalhar perca apoios sociais que recebia antes, o que, segundo já argumentava a AD, desincentivava os trabalhadores a aceitar trabalho.

Este suplemento vai simplificar, nas palavras do novo Governo, o “atual sistema pulverizado de apoios sociais através da sua agregação económica” e atribuir a cada agregado familiar o valor das prestações sociais atualmente recebidas pelo agregado familiar e um suplemento que garante que o aumento do rendimento do trabalho não conduz a uma perda de rendimento disponível”.

Também mantém a ideia de estudar a criação de uma prestação única por tipologia para as prestações não contributivas, agregando complementos a diferentes prestações, assim como o estudo da introdução de “mecanismos de reforma parcial que facilitem a transição entre a vida ativa e a de pensionista” e viabilizar a acumulação de rendimentos do trabalho com pensões e outros apoios sociais.

Volta, também, a ideia de criar a conta corrente do contribuinte-beneficiário na Segurança Social para que saibam o historial das contribuições para esquemas públicos de Segurança Social, o que permitirá “proceder à adequada contabilização dos vários apoios dispersos (incluindo em espécie) e registar todos os movimentos e direitos relativos às medidas relacionadas com o mercado de trabalho e aos direitos constituídos relativos à pensão de reforma”.

“Fusão” entre Segurança Social e Fisco cai

O programa eleitoral da AD previa que fosse “ponderada” a aproximação da Segurança Social ao modelo, sistema de incentivos e capacidade técnica operacional da Autoridade Tributária, com “maior interconexão entre ambas ou até a sua fusão; neste caso com segregação interna”. Mas essa ideia concreta não consta do programa do Governo.

“Reforçar, de forma inequívoca e determinada, o cruzamento de dados e o aperfeiçoamento de instrumentos já existentes, nomeadamente ao nível da articulação entre a Autoridade Tributária e a Segurança Social e terminar o processo de transição digital dos serviços da Segurança Social”, lê-se no documento revelado esta quarta-feira sobre a relação entre as duas entidades.