Ditam as regras do mercado que não se continue a produzir um determinado produto, se não há clientes para o adquirir. Vem isto a propósito da China, que é o maior fabricante de veículos do mundo mas que, de momento, não consegue vender todos os que produz, razão pela qual estes se vão acumulando nos portos por esse mundo fora, com destaque para os europeus.

Alguns portos do Velho Continente, especialmente os alemães, holandeses e belgas têm, em alguns casos, veículos chineses à espera de serem despachados há mais de 18 meses. Explicações para esta situação há várias, com a diminuição das vendas no mercado chinês a ser uma das principais. E como a China quer manter a sua máquina industrial em velocidade de cruzeiro, para manter em baixa os custos unitários, a quebra da procura no mercado doméstico levou o Governo de Xi Jinping a acelerar o mercado de exportação. Ainda que, também aqui, a procura esteja a desacelerar face aos valores de há um ano.

Em relação às vendas para o exterior, a China está a ver as portas dos mercados do outro lado do Atlântico a fecharem-se ou, pelo menos, a tornarem o acesso mais dificultado e menos rentável. A aposta no mercado norte-americano era forte, mas, a esta vontade de vender carros eléctricos baratos para os EUA, os americanos responderam com um subir de taxas, pese embora os entraves levantados aos carros chineses continuem menos violentos do que os criados pelos chineses à entrada de carros americanos na China. Desconfiados que os asiáticos estavam a subsidiar ilegalmente os seus veículos, para os tornarem mais competitivos, os EUA subiram as taxas à importação para 27,5%. E há políticos, como o senador republicano Josh Hawley, que pretendem elevá-las para 100%. Mais do que isso, os EUA levaram o México a não acolher as fábricas que alguns construtores chineses pretendiam construir naquele país para, a partir daí, comandarem o assalto aos EUA e Canadá, mercê do tratado da América do Norte.

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Na Europa a situação é mais permissiva, com um imposto de somente 10% às importações de veículos da China, mas ameaça complicar-se a breve trecho, pois Bruxelas também está a investigar a atribuição de subsídios ilegais aos construtores locais. A confirmar-se esta suspeita, as medidas a tomar pelos europeus poderão ser draconianas, desde obrigar à instalação de fábricas no Velho Continente, passando pela criação de postos de trabalho e o pagamento de impostos — essencialmente o que a China exigiu aos construtores estrangeiros que pretendiam vender no seu país ao longo das últimas décadas, o que limitaria muito a competitividade dos veículos eléctricos chineses na Europa.

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Para complicar ainda mais a situação das marcas chinesas, que maioritariamente pertencem ao Estado ou são controlados por ele, tudo isto acontece num período em que a procura por novos veículos eléctricos na Europa retraiu, em parte porque há países que reduziram ou acabaram com os estímulos à aquisição de modelos eléctricos. É o caso da Alemanha, tão só o maior mercado europeu, que retirou em Dezembro os incentivos à compra de modelos a bateria, ainda antes de estes atingirem a paridade de preços com os modelos a combustão. E, de acordo com o Financial Times, os chineses nem se esforçam para retirar os carros amontoados nos portos europeus e deslocá-los para os importadores nos diferentes países e respectivos concessionários. Isto associado ao facto de o volume de veículos eléctricos exportados da China para a Europa ter aumentado 361% desde 2021 — apesar de, em 2022, os veículos asiáticos ainda representarem apenas 10% dos 1,1 milhões de eléctricos vendidos no Velho Continente — explica a “inundação” dos portos europeus com carros chineses.

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Em 2022 os chineses venderam nos países europeus 455 mil unidades exportadas a partir da China, 324 mil das quais eram eléctricos. Um ano depois, em 2023, com dados disponíveis apenas até Setembro, foram entregues a condutores europeus 463 mil veículos, dos quais 70% eram eléctricos (327 mil). De acordo com as empresas portuárias, existem mais de 250.000 veículos nos portos do norte da Europa à espera de clientes. Isto aponta para um stock superior a 50% das vendas de um ano, sendo que alguns destes modelos aguardam cliente há mais de 18 meses, o que não pode ser bom para o negócio dos construtores. A menos que o Estado chinês continue a “pagar a conta”, cobrindo os prejuízos com mais incentivos.