A cooperativa de arquitetura “Trabalhar com os 99%” considera que a Câmara Municipal de Lisboa abdicou do processo participativo para a requalificação da Praça das Novas Nações, na freguesia de Arroios, em curso desde 2012.

A leitura é feita pelo arquiteto Tiago Mota Saraiva, daquela cooperativa, que, em declarações à Lusa, diz que a autarquia “mais uma vez confunde o que são apresentações de projetos de arquitetura com processos participados“.

Estas declarações surgem depois de a Câmara ter apresentado publicamente o projeto de requalificação da Praça das Novas Nações, em 24 de maio, e de a Junta de Freguesia de Arroios se ter congratulado com o avanço da obra.

Nessa altura, a cooperativa publicou na rede social Facebook uma mensagem onde dizia: “Muitas pessoas têm-nos questionado sobre o nosso envolvimento no referido projeto, pelo que entendemos deixar claro que não temos qualquer participação no mesmo. Sentimos ainda mais necessidade de esclarecer essa não participação após a freguesia de Arroios ter publicado um post em que confunde os dois projetos”.

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Na mesma comunicação, a cooperativa recorda o envolvimento de “centenas de pessoas” e “horas e horas de discussão” num processo que “não pode ser confundido com a proposta apresentada pela Câmara de Lisboa e Junta de Freguesia de Arroios”.

À Lusa, Tiago Mota Saraiva reconhece que “a Câmara tem toda a autoridade para fazer o projeto”, mas rejeita que o possa apelidar de participado, recordando que a cooperativa e outros parceiros andaram “muitos anos” a debatê-lo “com a escola, com as crianças da escola, com os moradores, com os professores”.

O processo remonta a 2012 e culminou, seis anos depois, com a entrega à autarquia de um projeto que não teria “nenhum custo acrescido”, dado que os arquitetos que o conceberam (muitos dos quais pais com crianças na Escola Básica Sampaio Garrido, em frente à Praça das Novas Nações) o ofereceram à cidade e a Câmara “só teria de contratar as engenharias” para o fazer.

Questionada pela Lusa, a autarquia sublinha que recolheu contributos para elaborar o Projeto de Execução para a Requalificação da Praça das Novas Nações e Rua de Angola, que vai “ao encontro das linhas que resultaram do programa desenvolvido” no âmbito de um projeto do qual fizeram parte as cooperativas “Trabalhar com os 99%” e “Sou Largo”, e também “do diagnóstico elaborado pela Associação de Pais e Encarregados de Educação sobre os problemas de insegurança naquela envolvente escolar”.

A Junta de Arroios propôs, no anterior mandato, um “Estudo Prévio para a Requalificação da Praça das Novas Nações”, que não foi “validado pelos serviços da Câmara de Lisboa, (…) não tendo avançado”, acrescenta a autarquia.

“Temos pena que um processo tão bonito, intergeracional e com tantas pessoas a participar ao longo de tantos anos não tenha chegado a bom porto”, lamenta Tiago Mota Saraiva.

“A participação implica (…) um sentimento em que as pessoas façam parte dos projetos, sejam ativas, e que cada um possa opinar e discuti-lo. Isso não foi feito”, nota o arquiteto, considerando que este processo “é bem revelador da forma como o município, designadamente os serviços de urbanismo, vê a participação”.

Simultaneamente, aponta, não se conhece o projeto do município para a Praça das Novas Nações “além do que está publicado e do que foi apresentado” e, por isso, a cooperativa reserva-se o direito de, quando tiver de facto acesso ao projeto, consultar advogados e a Ordem dos Arquitetos sobre uma eventual usurpação, nomeadamente por direitos de autor.

A Lusa questionou a Câmara de Lisboa sobre o projeto e, em resposta, a autarquia disse que o Departamento de Espaço Público o está a desenvolver, sem mencionar em concreto a sua autoria.

“Não queremos impedir que seja melhorada a praça. É importante que haja uma intervenção”, reconhece Tiago Mota Saraiva, descrevendo o atual cenário em frente à escola como “criminoso”.

Porém, considera que isso podia ser feito “com outro tipo de formas de construção de cidade”, lamentando que se continue “a achar que é perigoso que as pessoas decidam muito e que o que é importante é deixar a cidade a ser decidida pelos técnicos municipais e pelos senhores dos fundos imobiliários”.

O arquiteto destaca “a imensa dificuldade que é fazer projetos na cidade de Lisboa de baixo para cima”, denunciando “uma particular deferência e até subserviência sempre que aparece um fundo imobiliário junto dos serviços de urbanismo a apresentar os seus grandes projetos”, mas, quando é um projeto “feito a partir das pessoas, nos territórios, há sempre esta coisa de os técnicos acharem que são coisas mal feitas”.

Face a estas “metodologias do século passado”, alerta: “Estamos cada vez mais a deturpar (…) o que é a participação, a fingir processos, a manipulá-los completamente e a continuar a repetir erros, atrás de erros”.

A Câmara de Lisboa estima que o projeto de requalificação da Praça das Novas Nações esteja finalizado em julho de 2024 e a obra concluída durante o primeiro semestre de 2025.

De acordo com informação a que a Lusa teve acesso, o projeto inclui a recuperação do espaço infantil, a circulação rodoviária apenas num sentido e mais estacionamento na Rua de Angola.