Este era o dia de Alexander Zverev. Na segunda final de Grand Slam da carreira, depois de ter perdido o US Open de 2020 frente a Dominic Thiem no tie break do quinto set, tentava apanhar um comboio que lhe foi fugindo ao longo dos últimos anos entre os feitos dos Três Mosqueteiros e o aparecimento de uma geração mais nova apostada em tomar conta do ténis. O alemão, de 27 anos, ficou no meio de duas eras. Teve aquela lesão grave no tornozelo numa meia-final épica de Roland Garros com Rafa Nadal que poderia ter sido um turning point da situação, perdeu em cinco sets com Daniil Medvedev a possibilidade de chegar à decisão no Open da Austrália, agora chegava com a confiança toda depois dos triunfos no Masters de Madrid e de Roma entre vitórias seguras frente a Nadal ou Casper Ruud e “sustos” com Tallon Griekspoor e Holger Rune.

“Numa final de um Grand Slam não há encontros nem adversários fáceis. Se estás na final de Roland Garros é porque mereces e isto aplica-se ao Carlos [Alcaraz]. Fez um encontro fantástico com o Jannik Sinner mas também fiz um torneio fantástico. Tivemos batalhas muito duras no passado. Acho que agora é muito melhor jogador e provavelmente eu sou o tenista que ele mais vezes defrontou. Viagem até à final? Não é apenas esta semana mas os últimos anos. Começando pela final do US Open em que estive a dois pontos do objetivo, as meias-finais aqui há dois anos em que acabei de cadeira de rodas. Todos os momentos da viagem contam e são importantes. Agora estou na final mas ainda não ganhei”, apontara o germânico, que foi também esta semana notícia por ter sido considerado inocente num processo de alegada violência doméstica.

Este era também o dia de Carlos Alcaraz. Depois de ter ganho o US Open de 2022 e a final de Wimbledon de 2023 que terá ficado como um dos melhores jogos de sempre que disputou e logo frente a Novak Djokovic, o espanhol não teve um 2024 fácil entre problemas físicos e algumas mudanças de rotinas e hábitos de quem chega ao topo mas percebe que tem de dar muito mais para ficar por lá. Ganhou Indian Wells, após perder com Zverev nos quartos do Open da Austrália, voltou a parar após a eliminação em Madrid diante de Andrey Rublev e era uma incógnita para Paris. O encontro com Jannik Sinner, o novo número 1 mundial, ganho em cinco sets nas meias-finais mostrou a faceta de alguma irregularidade entre parciais mas a forma como tinha passado nomes como Félix Auger-Aliassime ou Stefanos Tsitsipas também lhe davam máxima confiança.

“A meia-final foi um encontro muito complicado mas estou muito contente por ter sabido continuar e por ter sabido lidar com certos momentos. Estive forte mentalmente, não fui embora nunca. É um orgulho saber que não tropeço na mesma pedra. Foi um encontro muito completo e muito bom para mim. Este é um torneio muito especial que vejo desde que era pequeno. Quero deixar a minha marca nessa lista, imagino-me com a taça. Ainda falta um passo, um dos mais complicados que há: ganhar finais. Há uma frase que repito muitas vezes para mim, que é o facto de as finais serem para ganhar e não para jogar. Tenho a imagem na minha cabeça de levantar o troféu, mas é um longo caminho”, destacara o espanhol esta sexta-feira.

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Duas décadas depois, Roland Garros volta a ter uma final sem a presença de nenhum dos Três Mosqueteiros (é preciso recuar a 2004 para se encontrar uma decisão entre dois argentinos, Gastón Gaudio e Guillermo Coria). Duas décadas depois, Roland Garros teria algo que acontecera apenas uma vez que era um vencedor que não Roger Federer, Rafa Nadal e Novak Djokovic (Stan Wawrinka bateu o sérvio em 2015). Duas décadas depois, fez-se história em Paris: Carlitos ganhou o terceiro Grand Slam aos 21 anos e tornou-se o escolhido pelo público de Roland Garros para suceder a Rafa Nadal no dia em que Zverev voltou a “morrer na praia” no objetivo de ser o primeiro alemão a ganhar um Major 28 anos depois de Becker (Austrália, 1996).

O encontro começou com uma tremideira fora do habitual mas até percetível dos dois jogadores. Com duplas faltas, com erros diretos, com serviços de quando em vez previsíveis que estendiam a passadeira à resposta que permitisse dominar o ponto. Foi assim que Alcaraz fez o break, foi assim que Zverev devolveu logo o contra break. Só mesmo no terceiro jogo, quando o alemão fez o 2-1 no seu serviço, começou a haver uma certa estabilização emocional que permitiu que cada um pudesse tentar o seu melhor jogo. Aí, o espanhol passou para cima. Muito certinho a responder, muito capaz de mitigar a direita curta do alemão, muito frio na análise aos jogos decisivos para fazer o break do 3-2 numa fase em que somou sete pontos seguidos. Esse jogo foi confirmado de seguida, com o 4-2 que estendeu a passadeira para novo break que fez o 6-3.

A vantagem emocional do triunfo no primeiro parcial prolongou-se no arranque do segundo set mas Zverev deixou a garantia de que pelo menos estava em jogo, passando de um 0-40 para as vantagens e perdendo até dois pontos de break. Não foi aí, foi pouco depois: apesar do forte vento que se fazia sentir no court Philippe Chartrier, o alemão aproveitou a melhoria no jogo com várias bolas que começaram a sair, fez o break para 3-2, confirmou nas vantagens do seu serviço com 4-2 e ainda fez mais um break ao espanhol que foi carimbado com uma dupla falta, numa espécie de remake das meias de Alcaraz com Sinner onde o espanhol era capaz do melhor e do pior com meia hora de diferença. O segundo set estava resolvido com um claro 6-2.

Agora o filme estava invertido, com Zverev a ter o ascendente da partida frente a um Alcaraz que duvidava de alguns momentos do seu jogo. Era nos detalhes que algo poderia mexer e foi isso que aconteceu: depois de dois jogos de serviço ganhos em branco, e depois de ter levado o espanhol às vantagens para o 3-2, o alemão teve um eclipse no seu serviço, Alcaraz sacou do seu melhor jogo e fez o break em branco para o 4-2, ficando mais próximo de fechar um set importante na história do encontro. Mais próximo com um susto pelo meio: Zverev teve três pontos de break, o último anulado com um amortie fabuloso, mas foi o espanhol a levar a melhor, chegando ao 5-2 que deixava o terceiro parcial encaminhado antes da resposta do germânico. Que resposta: fez o 5-3, quebrou o serviço que podia fechar o set, segurou o 5-5, fez novo break para o 6-4, salvou um ponto de contra break do espanhol e acabou com cinco jogos seguidos ganhos para o 7-5.

Era impossível prever o que se passaria de seguida, tendo em conta que Zverev estava a um set de ganhar o seu primeiro Grand Slam mas Alcaraz fez logo o break de entrada que confirmou com um jogo em branco para o 3-0. Em mais uma metamorfose completa no que se passava em Paris, o espanhol dominava por completo, provocava o erro do alemão e quase que passeava para o quinto set antes do break para 4-1 de Zverev e o pedido de assistência por uma questão no adutor. Nova reviravolta do alemão à vista? Nem por isso: o espanhol fez mais um break e fechou com 6-1 no seu serviço com quase 3h30 de jogo. Ficava tudo adiado para o quinto e decisivo set, que começou com mais um break de Alcaraz, com um 0-40 anulado para o 3-1 entre um polémico serviço dado dentro que tirou foco ao germânico e com o 4-2 após salvar mais um ponto de break, fechando por fim o parcial em 6-2 com quase 4h30 de jogo em Paris.