Em 2014, os Monty Python acabaram oficialmente. O canto do cisne foi feito a várias vozes, numa série de espectáculos esgotadíssimos na arena londrina O2. Porém, há muito que a trupe de comédia não fazia nada em conjunto, sobretudo se nos focarmos no elenco original. Graham Chapman morreu em 1989 e, tirando um ou outro espectáculo avulso, a última coisa assinada por todos os Python é o filme O Sentido da Vida, de 1983. Mas se as tais arenas esgotaram mais de 30 anos volvidos é porque durante décadas, longe ou perto das luzes da ribalta, os autores do Flying Circus marcaram inequivocamente uma determinada maneira de fazer comédia.

Sempre que algo mistura um non sense quase infantil com umas sólidas bases de cultura geral, o ilógico tresloucado com o altamente racional, dizemos que parece Monty Python. É um tipo de comédia distante da maioria que se faz hoje em dia, com algumas honrosas exceções. Felizmente, são três dessas exceções que assinam a nova série baseada no filme de 1981 Os Bandidos do Tempo (Time Bandist no original), uma saga de aventuras que oficialmente não é dos Python, mas tem a mão de vários deles, notória na linguagem, no tom e no mundo criado.

O Bandidos do Tempo original foi realizado pelo único americano do grupo inglês, o sempre caótico Terry Gilliam — que o escreveu em conjunto com outro Python, Michael Palin. John Cleese, talvez a face mais popular da pandilha, era um dos atores, juntando-se aos protagonistas Sean Connery e Shelley Duvall. O filme não foi um sucesso, mas como tudo o que envolva estes criadores, atingiu um certo estatuto de culto. E talvez comece logo aí a primeira questão sobre a série da Apple TV+ agora estreada: para quem são estes 10 episódios de 40 minutos? Para quem tem memórias afetivas de um filme com mais de quatro décadas que já nem passa no canal Hollywood? Para novos públicos desabituados a este tipo de humor? Do ponto de vista de uma folha de Excel, é uma escolha estranha. Felizmente, do ponto de vista de quem gosta de televisão e de humor, o resultado é um delicioso bombom que, infelizmente, talvez passe despercebido.

[o trailer de “Os Bandidos do Tempo:]

A série é uma criação de Jemaine Clement (dos Flight Of The Conchords), Iain Morris (criador da sitcom The Inbetweeners) e de Taika Waititi (o mesmo de Jojo Rabbit e da saga de Thor). Todos eles, então, pupilos da escola de humor pythoniana, com um corpo de trabalho maduro que lhes permitiu fazer uma versão própria sem desvirtuar o original. Kevin (o quase estreante Kal-El Tuck), um miúdo de 11 anos com poucas aptitudes sociais e muito conhecimento enciclopédico sobre História, junta-se a um grupo de ladrões que viaja por vários períodos históricos para roubar e pilhar, acabando a ter de salvar o mundo de um tal Pure Evil (Clement) enquanto fogem da divindade Supreme Being (Waititi).

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A líder do gangue é Penelope, aqui desempenhada por uma Lisa Kudrow que, mesmo lembrando sempre a Phoebbe de Friends, encaixa muito bem no papel. O resto dos Time Bandits é composto por Judy (Charlyne Yi, que se incompatibilizou com um elemento do elenco e saiu durante as filmagens), que tem o poder da empatia e de sentir o que os outros sentem; Alto (Tadhg Murphy), que se acha tão bom ator que acredita ser um con artist; Widgit (Roger Jean Nsengiyumva), o único que consegue ler mapas em 4D; e o viking Bittelig (Rune Temte).

Logo o genérico de Os Bandidos do Tempo remete para os anos 80. Mas um dos méritos é série é saber ter um pé em cada sítio, respeitando o tom do original e da sua época, mas assumindo com naturalidade, por exemplo, um mundo contemporâneo em que há telemóveis. Os episódios são dinâmicos e bem estruturados, talvez mesmo assim beneficiando de poderem ser mais curtos. O conflito é claro, os diálogos têm graça, os personagens resultam individualmente e em grupo e as passagens no tempo são escorreitas, sendo natural andarmos entre Stonehenge e o Cavalo de Troia, passando pela Lei Seca e pelos dinossauros. Há também oportunidade para alguma autoironia, como quando no segundo episódio os pais de Kevin, sempre agarrados ao telemóvel, leem uma review a uma série que perde ritmo no segundo episódio, enquanto comentam que até tem aquela atriz muito conhecida que fez aquela série muito famosa da qual agora não se lembram o nome.

Taika Waikiki vem de uma série de flops no cinema, como o seu último Thor ou o filme Next Goal Ends com Michael Fassbender. Mas tem atualmente duas séries nomeadas para Melhor Comédia nos Emmy: Reservoir Dogs e o maravilhoso What We Do In The Shadows (adaptação de um filme que também realizou). Os Bandidos do Tempo talvez cimente que a televisão e a sua abertura para brincar com personagens em várias situações seja o reduto que melhor se adapta ao seu talento.

Terry Gilliam é conhecido pelo seu feitio difícil, pelo que nem foi estranho que tenha criticado esta adaptação ainda antes sequer de ter estreado. Compreende-se o sentimento de posse, mas Os Bandidos do Tempo tem um grande respeito pelo original, sem se limitar a mimetizá-lo. A sensação ao ver a série é, por isso, algo ambivalente: como pode algo parecer tão fresco comparado com tanta de televisão de hoje em dia e, ao mesmo tempo, ser algo tão nostálgico? É o efeito Monty Python, que teima em não morrer, ao contrário de certo e determinado papagaio.