Número 50 do Boulevard Voltaire. Centro de Paris. De inspiração asiática, como se fosse um pagode chinês, chamou-se primeiro precisamente Grande Café Chinês, Ba-ta-clan e completou, em 2014, século e meio de existência. A emblemática sala de espetáculos já fazia há muito parte da cultura parisiense e mundial. Já lá tinham tocado, atuado, dançado, os maiores. Agora ficará com uma outra marca na História: o local mais sangrento dos piores atentados terroristas em França.

Mil e quinhentas pessoas ouviam esta sexta-feira a música Kiss the Devil dos californianos Eagles of Death Metal. Mas o som das guitarras elétricas e da bateria depressa foi abafado por explosões, tiros e gritos. Os terroristas fizeram cem reféns, pelo menos 80 pessoas acabaram mortas, entre elas quatro terroristas (três deles suicidaram-se detonando os cintos-bomba, outro foi abatido pela polícia) e quatro polícias. Gente ferida escapou como pôde: pelas janelas, arrastando-se pelas ruas, tentando salvar os amigos. A noite de sexta-feira, mítica naquela sala, acabava em terror. O ataque veio de dentro, do interior dos camarins, aqueles onde Lou Reed ou Prince entre muitos outros, já se vestiram, puseram brilhantina, afinaram as vozes entre goles de álcool ou de chás, antes de alegrarem as noites de quem gosta de boa música.

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Construído em 1864, o Bataclan tinha (tem) uma cúpula enorme. Mas do estilo chinês já perdeu o telhado de pagode. Abriu as portas a 3 de fevereiro, há 151 anos, tendo sido comprado por André-Martin Pâris. Durante a guerra franco-prussiana (1870-1871),as suas salas, incluindo o salão de baile do primeiro andar, foram utilizadas para abrigar feridos. Fica mesmo junto à Praça da República, outro local mítico, onde ainda em janeiro os franceses se tinham reunido em homenagem ao ataque terrorista ao Charlie Hebdo. O palco tem sido pisado pelos mais famosos. Além de Prince ou Lou Reed, a lista inclui John Cale, Bufallo Bill e até o português Legendary Tigerman, entre muitos outros artistas.

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Bataclan

Bataclan2006

Mas a sala tem uma longa história. Durante o primeiro século recebeu espetáculos culturais como ballet, ópera ou comédias. Abrigou vaudevilles de Scribe, Bayard, Mélesville e Dumersan. Em 1881, Bigot inventou, na casa, o instrumento musical conhecido como “bigofone”. Em 1883, apresentou ao público o primeiro teatro de revista. Em 1885 a primeira opereta. Depois mudou e mudou e mudou de dono. Foi perdendo destaque até que, em 1910, o proprietário de então voltou a apostar na reabilitação do auditório e no teatro de revistas, tão na moda, com José de Bérys como responsável. Foi então lá que Maurice Chevalier saltou para o sucesso, levando a equipa residente do Bataclan em digressão pelas “américas”, onde apresentaram os seus shows, uma decisão que teve tanto de bom marketing como de péssimos resultados financeiros.

Foi assim que ganhou fama e inspirou um outro Bataclan, a casa de prostitutas e vaudeville da novela da Globo ‘Gabriela’, lembram-se?

Em 1926 foi novamente vendido e em 1932 foi transformado num cinema. Saltou entre o cinema e o teatro, sofreu um incêndio (1930) e em 1950 teve de ser reconstruído parra dar resposta às exigências de segurança das salas de espetáculo. Reduziu a capacidade para 1900 pessoas. Foi aí que rebatizado, ficando apenas e simplesmente como Bataclan. 

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Em 69 deixou-se de filmes e voltou a ser de novo aquilo para que tinha sido construído. Reabriu em 71 como palco para concertos de rock, stand-up comedy, grandes espetáculos de massas. 1500 pessoas sentadas, um pouco mais de pé. Pintado de novo em 2006 com as cores vibrantes originais, mas já sem o tal telhado de pagode chinês, atraia sobretudo muitos jovens, que saiam do Bataclan, ainda a música a soar nos ouvidos, diretamente para restaurantes e bares da zona onde acabavam a noite e/ou a semana de trabalho. Esta sexta-feira, 13, deveria ter sido também assim. O terror não deixou.